COLUNAS
Quarta-feira,
30/10/2013
Vai lavar uma pia de louça que passa
Adriana Baggio
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Parece piadinha machista, mas não é. Um dia desses, reclamei no Facebook que estava com preguiça de lavar louça. Os talheres sujos se acumulavam na pia e eu não queria tomar tempo do trabalho, mesmo que pouco, pra fazer o serviço. Uma amiga comentou na postagem que lavar louça era como meditar. Em certo ponto, acredito que ela tem razão.
Louça chata é aquela do dia a dia, que tira o tempo do trabalho, do descanso, do lazer ou de qualquer outra coisa melhor/mais importante que se tenha para fazer. É aquela tarefa repetitiva, monótona, sem sentido. Você lava a louça, ela suja, você lava de novo, e assim vai. Mas aquela louça grande, que enche a pia depois de uma refeição especial, é diferente: lavar os pratos, copos e talheres que foram anfitriões de um encontro entre amigos, da reunião de família ou de um jantar romântico, ah, aí sim, é como meditar. Lava-se não apenas a louça, também a alma. É purificador. Depois de água, esponja e detergente, tudo fica mais brilhante, inclusive os pensamentos.
E se os pratos saíram da mesa para a pia praticamente limpos, dá aquele orgulho: as pessoas gostaram da sua comida. Tem coisa melhor do que ver gente se deliciando com algo que você cozinhou? Tem: ver o homem que você ama raspar o prato. Pode ser o amor da sua vida ou o amor daquela noite. Mas que delícia, no dia seguinte, ao encher pratos e copos de espuma, lembrar do apetite dele. Enfim, voltemos à meditação.
Como a meditação, esse lavar-louças terapêutico tem um método. E acredito que ele varia de pessoa pra pessoa. O meu é o seguinte: primeiro, é preciso preparar o ambiente. Tirar todas as coisas da mesa, guardar o que pode ser guardado, para não ocupar espaço na cozinha. Botar os restos de comida no lixo. Organizar os utensílios por categoria: os copos, os pratos, os talheres, as travessas, as panelas, os plásticos. Encher a chaleira e colocar água pra ferver. Guardar a louça seca que porventura esteja no escorredor. Colocar as luvas de borracha (água, especialmente quente, e detergente, são péssimos para a pele das mãos). Depois desses preparativos, a louça está pronta para ser lavada e a cabeça pode se deixar levar, já que são as mãos que vão trabalhar.
Gosto de colocar boa parte da louça dentro da pia. Assim, enquanto vou lavando algumas, a água vai caindo nas outras, amolecendo a sujeira. Molho a esponja, coloco detergente e começo pelos copos e xícaras, como minha mãe me ensinou. Ah, antes de continuar, um parêntesis sobre o detergente: gosto daqueles transparentes, porque me passam uma sensação maior de limpeza e de pureza. Sem falar que não "poluem" visualmente a pia. Acho que a marca Ypê (olha o jabá aí, gente!) é de boa qualidade e atende essa minha exigência estética. Fecha parêntesis.
Pois bem, os copos. Se teve vinho na refeição, fiz questão de usar minhas taças bojudas de cristal, que são meu orgulho (posso abrir mais um parêntesis? A Danuza Leão diz que o Brasil é o único lugar onde se chama copo de vinho de "taça". Em outros idiomas temos glass, verre, bicchiere... Fecha parêntesis de novo). Elas serão lavadas por primeiro, com bastante cuidado, e serão colocadas pra secar em segurança na mesa da sala, onde a chance de serem atingidas pelos meus movimentos espaventados é bem menor.
Depois dos copos e das xícaras, vêm os pratos de sobremesa. E em seguida os pratos da refeição. A cada grupo que é ensaboado, a torneira fica fechada. Quando as peças são enxaguadas, já fazem uma espécie de pré-lavagem naquelas que estão na pia. Economiza água sem prejudicar o desempenho da tarefa - assim como a gente não deve desperdiçar energia com pensamentos/coisas/pessoas que não vão agregar nada em nossa vida.
Uma parte importante é a organização dos utensílios no escorredor. A ordem ao lavar deve levar isso em conta. Copos ficam no suporte específico. Xícaras e canecas mais largas podem ir sobre eles. Pratos grandes mais ao fundo, depois os menores. Por fim, os potes e travessas no espaço que restou, sempre com os menores embaixo e os maiores em cima, para aproveitar espaço. As peças mais delicadas ou muito grandes, coloco na mesa mesmo. E os talheres vão para algum recipiente grande, porque nessas ocasiões são muitos e ficam caindo do lugar destinado a eles no escorredor (pense numa coisa irritante).
Depois de tudo lavado, inclusive as panelas, é a vez da lixeirinha de lixo orgânico e o suporte do detergente, os cantinhos da pia, ou seja, de fazer aquela limpezinha detalhada que nenhuma diarista faria, mesmo que eu tivesse uma. Quando tudo isso tá pronto, vem a melhor parte. A apoteose. O namastê.
A cozinha do meu apartamento foi comprada numa loja de bairro, uma casas bahia da vida. É uma cozinha branca, modular, simples mas bonitinha (e boa, porque tem seis anos e continua firme e forte). Não fazia questão de marca e nem que fosse planejada. Guardei minhas exigências para outra parte: a pia. O tampo não podia, em hipótese alguma, ser de aço inox. Tinha que ser de granito. E quando fui escolher a cor da pedra, percebi que só seria feliz com o verde labrador, a mais cara de todas.
Limpar esse granito depois de lavar toda louça é um prazer quase sensual. Por mais que tenha usado água quente da torneira nas etapas anteriores, ela não é quente o bastante. Lembram que eu coloquei água pra ferver antes de começar os trabalhos? Pois bem, agora a chaleira está chiando, impaciente, e a água borbulha alucinadamente. Desligo o fogo e verto a água sobre o granito e a cuba de aço. Quase posso ver a gordura se dissolvendo, as partículas de sujeira se desintegrando, tudo sendo carregado para o ralo. Com a ajuda de um rodinho, tiro o excesso de água, que seca rapidinho porque está muito quente. Minha pedra fica linda, imaculada e seca. Purificada e serena, como eu.
Adriana Baggio
Curitiba,
30/10/2013
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