COLUNAS
Quinta-feira,
7/11/2013
Em busca de cristãos e especiarias
Carla Ceres
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Nada como um autor de livros de suspense para nos contar, em detalhes, todos os lances emocionantes de uma aventura que, em suas palavras, "figura ainda hoje entre os dois ou três maiores feitos navais da história da humanidade", a primeira viagem de Vasco da Gama às Índias. Membro da Society for the History of Discoveries, o escritor norte-americano Ronald J. Watkins estava morando em Portugal quando resolveu contribuir para que o mundo moderno reconhecesse o quanto sua formação se deveu ao impressionante feito português. Assim nasceu Por mares nunca dantes navegados: como Vasco da Gama abriu caminho para o Oriente.
A narrativa se inicia com Cristóvão Colombo voltando do descobrimento da América, a bordo de sua semidestroçada caravela, a Niña, e enfrentando uma tremenda tempestade para aportar em Portugal, país onde temia ser assassinado. Se não estivesse a ponto de naufragar, o futuro almirante jamais pensaria em confiar nos inimigos históricos de Castela e contar, primeiramente a eles, sobre sua suposta descoberta: o caminho para as Índias através do Ocidente.
Os temores de Colombo e sua crença sobre haver descoberto a Índia se mostraram infundados. Os Portugueses, que vinham se dedicando, há gerações, à descoberta de um caminho para o Oriente contornando a África, logo desconfiaram que o navegador encontrara terras novas, pois as mercadorias que de lá trouxera não se pareciam em nada com as preciosas especiarias.
Em 2005, Por mares nunca dantes navegados foi eleito o Livro do Ano pela Tribuna Portuguesa (Estados Unidos). Watkins se derrama em merecidos elogios à bravura do povo português e à obstinação de seus reis. Impressiona-se com o fato de um país pobre, cuja população raramente passava de um milhão de habitantes, ter construído o maior e mais duradouro dos impérios.
"Mesmo antes de Vasco da Gama ter chegado a Portugal, Manuel havia modificado seus títulos e acrescentado um globo a seu cetro. O rei, a partir de agora, deveria ser conhecido como 'Dom Manuel, pela graça de Deus rei de Portugal e do Algarve, deste lado do mar, e do outro lado, em África, Senhor da Guiné e da Conquista, da Navegação e do Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia.'"
Watkins ressalta que as naus portuguesas não foram de forma alguma as melhores embarcações da época. Os juncos chineses, por exemplo, eram de cinco e dez vezes maiores. Levavam rebanhos de animais para abate durante as viagens. Sobrava-lhes espaço, também, para o cultivo de ervas e legumes a bordo. Assim reduziam o risco do escorbuto.
Mesmo sabendo que os sintomas da doença se atenuavam com a ingestão de frutas frescas, os portugueses não tinham como conservá-las durante os meses seguidos que precisavam navegar longe do litoral. Em maior ou menor grau, todos os tripulantes adoeceram. Alguns simplesmente caíram mortos após um esforço qualquer. Tão apavorante quanto o escorbuto era o "tratamento" disponível.
"As gengivas dos atingidos pela doença inchavam e cresciam sobre os dentes, e eles ficavam com um hálito fétido. Os marinheiros usavam suas facas para cortar essa carne e então esfregavam urina nas gengivas que sangravam, um tratamento repetido várias vezes, conforme os efeitos da doença aumentavam."
Estima-se que apenas um terço dos tripulantes tenha sobrevivido à viagem. Além das vítimas do escorbuto, muitos morreram em lutas contra os muçulmanos e nativos africanos de outras religiões. Os conflitos com os "mouros", nome que os portugueses davam aos muçulmanos em geral, renderam até uma batalha naval e vários sequestros. Os navios árabes usados no Índico também mereciam respeito. Vasco da Gama e seus homens examinaram um deles. Em termos de mapas e instrumentos de navegação, os mouros nada ficavam a dever aos cristãos e, talvez, até fossem superiores. Uma vantagem inegável era que "transportavam seu suprimento de água em tanques de madeira, um sistema que os portugueses logo viriam a adaptar".
Além de buscar as fontes das especiarias e todas as riquezas advindas de seu comércio, os portugueses procuravam reinos cristãos que os ajudassem em sua luta contra os mouros. Dom Manuel, em carta enviada aos reis da Espanha, Fernão e Isabel, para contar-lhes da descoberta do caminho para as Índias, afirmou: "Haverá uma oportunidade de destruir os mouros daquelas partes".
Cristóvão Colombo acreditou, até o fim da vida, ter descoberto o caminho para a Índia. Já os portugueses, que lá estiveram e se deslumbraram com suas riquezas, acreditaram ter encontrado cristãos simpatizantes no Oriente. Só em viagens posteriores, perceberam que "Krishna" não era uma forma diferente de dizer "Cristo" e que aqueles "cristãos" amistosos eram, na verdade, hindus.
Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/
Carla Ceres
Piracicaba,
7/11/2013
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