COLUNAS
Segunda-feira,
2/12/2013
Tirando o Cavalinho da Chuva
Adriane Pasa
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"Abençoados os corações flexíveis, pois nunca serão partidos".
Albert Camus
O fracasso é feio. Desistir dói. Mas às vezes não tem outro jeito. E não há nada de bonito nisso ou "nobre", como alguns pregam. A não ser quando a gente quer elevar a coisa pra parecer menos loser. Porque a verdade é essa. É só essa. Perder é uma bosta, desistir é uma bosta. Fomos criados para não desistir jamais, para vencer, para ter fé, para sermos bravos e fortes (afinal, somos brasileiros).
Qualquer ser humano normal detesta perder ou ter que desistir de algo que quer muito. O que muda é o timing. Alguns desistem logo de cara, mal tentam, outros insistem mais que vendedora da C&A oferecendo o cartão da loja.
Tá, é admirável desistir de algo por um motivo maior, para salvar alguém ou preservar algo importante, como a paz mundial, por exemplo. Mas desistir porque não deu certo, porque não conseguiu, é simplesmente uma questão de bom senso. Por mais que queiramos justificar tudo, dar um tom feliz a um final frustrante, a realidade vem e mostra o contrário. Muitas vezes, "tirar o time de campo" é questão de sobrevivência. Mas é nessa renúncia, nessa ausência de ritmo, que às vezes descobrimos outras coisas. Coisas mais interessantes e desejadas? Nem sempre. Mas quando damos sorte de acontecer, a gente vê que a resignação pode valer a pena, principalmente se nos mostrar, lá adiante, que a gente nem queria tanto assim a tal coisa tão desejada ou que era como a fome: depois de vinte minutos o cérebro nos responde que está satisfeito e não dá vontade de repetir o prato (comigo nunca funciona).
O fato é que a gente começa a pensar na ideia de abdicar de algo quando a falta de esperança incomoda mais do que não ter o que desejamos. Quando a gente desacredita totalmente, é porque alguma razão há. E como é preciso escutar essa voz, esse duro conselho interior. Melhor isso do que perder muito tempo na vida, fazer-se de coitado ou posar de eterno lutador incansável. E não dá nem pra dizer que é de UFC, que pelo menos tá na moda.
Um exemplo de desistência carregado de drama e significados é o do protagonista do filme Mar Adentro (de Alejandro Amenábar, 2004, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro), com Javier Bardem no papel de Ramón, um homem que luta na justiça pelo direito de pôr fim à sua própria vida, pois sofreu um acidente na juventude que o deixou tetraplégico e preso a uma cama por 28 anos. Se existe um filme em que chorei sem parar, foi este. Temas com morte sempre me comovem muito, é uma coisa de louco. E este filme é uma facada, um tapa bem ardido, uma provocação que vai muito além da ética, da moral e da compaixão. É a história de um homem que quer abdicar de uma vida que já não existe mais, que quer se libertar por meio da morte. Não é comum desistir da vida. Os sobreviventes do Holocausto e do terremoto estão aí porque jamais desistiram, porque seguiram seus instintos como manda o figurino. A luta de Ramón é de outra ordem, porque sabe que o movimento que o faz sentir-se bem e vivo é puramente mental e como está preso ao próprio corpo, precisa sair dali, desistir da vida, para continuar. Mas continuar, morto? Talvez. Tem gente que já morreu faz tempo e em vida, mas nem se tocou disso.
Mas antes de desistir completamente dá pra fazer umas loucuras também, testar limites. Van Gogh, por exemplo, quando inovou ao cortar sua orelha após discutir com seu amigo Gauguin, deu como presente a uma prostituta e depois fez vários autorretratos todo enfaixado (uma das 49 versões da história), talvez quisesse anunciar algo antes do fracasso total, chamando a atenção ou causando um sofrimento pré-desistência-maior, que foi seu suicídio. Hitler começou uma guerra porque foi recusado pela Academia de Belas-Artes de Viena (tá, eu quis resumir bem a história) e a mocinha do filme O Diabo Veste Prada foi simplesmente o máximo antes de jogar tudo para o alto e mandar a chefe pastar. Quem consegue os manuscritos do último livro do Harry Potter antes da publicação? Um verdadeiro exemplo de sucesso pré-desistência. Também dá pra pirar e passar por maluco, sair pelado na rua gritando e dançando na micareta, socar a parede, fingir um desmaio. Mas no fim das contas, o negócio é encarar a realidade e partir pra outra, porque pior que perder a fé é perder a noção do ridículo.
E para os que ainda têm esperanças, aqui vai um clássico de pura persistência, dentro e fora das telas. Aí eu vi vantagem.
Adriane Pasa
Curitiba,
2/12/2013
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