|
COLUNAS
Sexta-feira,
6/12/2013
livros não salvam o mundo. nem as pessoas.
Ítalo Puccini
+ de 4100 Acessos
ambiguidade proposital no título. porque de salvação já basta a bíblia e sua promessa-nunca-cumprida. aliás, está aí um bom exemplo de um livro que amarra a narrativa à autoajuda. que embaralha um realismo ao fantástico e ao romântico. que suscita no leitor esperanças ao mesmo tempo em que o exime de responsabilidades e o cobra de posturas individuais e sociais. enfim, uma contradição exemplar, como todo bom livro deve provocar.
tem uma frase clássica atribuída ao caio graco e ao mário quintana nas esquinas porraí que diz assim "Livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas".
sim e não.
é cômodo - e eu já fiz isso por demais - atribuir aos livros - e, consequentemente, à leitura e à literatura - a responsabilidade pela mudança de caráter e de comportamento das pessoas. registre-se que uma mudança para melhor, é claro. digo que é cômodo porque me parece que se exime do sujeito uma tomada de atitude que independe dos livros e uma própria formação cognitiva, psicológica e social que da mesma forma não apresenta relação direta com bagagem leitora.
o romantismo é vizinho da utopia. ambos não me agradam muito porque, a meu ver, apresentam uma fugacidade exagerada - na verdade, ambos apresentam o exagero como condição necessária para um olhar o mundo. e este olhar se coloca muito distante de uma possível realidade, lidando apenas com uma idealização da mesma.
os livros não mudam o mundo e os livros não salvam as pessoas. não são remédios como os vendidos nas farmácias. olhar para a literatura dessa forma é torná-la uma religião: a salvação está em deus. a salvação está nos livros. duas visões simplórias. dois movimentos humanos que se eximem de uma responsabilidade sobre si. o fanatismo já está acabando com o futebol há bastante tempo. não precisa acabar com a arte também.
então o que nos leva a ler? depende, primeiramente, o que se lê. posso afirmar que é o contato com outras vidas que me leva à leitura de romances e de contos, assim como é uma aproximação com possibilidades de trabalho com a linguagem que me coloca junto a livros de poemas. é o meu gosto por futebol que me faz ler crônicas futebolísticas, e é meu trabalho como professor e pesquisador que me tornam leitor de livros teóricos. nada disso me salva de algo. apenas me complementa, ajuda-me a tornar-me quem sou, nesse processo, ainda bem, contínuo, ininterrupto.
para amarrar a conversa, um exemplo: diz assim o personagem antônio jorge da silva, do angolano recém-ganhador do prêmio portugal telecom de melhor romance, valter hugo mãe, em seu "a máquina de fazer espanhóis": "fora uma ingenuidade da minha parte achar que armado com um livro me armara para todos os inimigos do mundo". retiremos a frase do contexto no qual ela está inserida - um hospício, lugar em que se passa todo o romance citado - para trazê-la a esta discussão: não é armando-se de livros que alguém vencerá seus inimigos. é lindo pensar assim? pode ser. mas não me satisfaz. traz-me medo, a bem dizer. porque ingenuidade em excesso me preocupa. a vocês não?
prefiro o amargo ao doce no modo de olhar o mundo. porque o amargo ao menos me parece propor uma possibilidade de mudança. o doce estabiliza e deixa estar. até azedar.
Nota do Editor:
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog Um Sentir Complementa o Outro.
Ítalo Puccini
Joinville,
6/12/2013
Quem leu este, também leu esse(s):
01.
A bibliotecária de plantão de Ana Elisa Ribeiro
02.
A literatura infanto-juvenil que vem de longe de Marcelo Spalding
03.
As maravilhas do mundo que não terminam de Marilia Mota Silva
04.
Baudelaire, um pária genial (parte II) de Jardel Dias Cavalcanti
05.
A Crise da música ― Parte 1/3 de Rafael Fernandes
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|
|
|
|