Foi para mim uma grande surpresa, ainda não recuperado dos efeitos nefastos das comemorações de fim de ano, receber por e-mail críticas a respeito de um artigo meu. Um artigo escrito há mais de 5 anos, do qual nem cópia eu mantinha. Seguida a surpresa, minha primeira pergunta foi : como isso foi acontecer?
Ligando os fatos, cheguei à conclusão que o mesmo havia surgido no Digestivo Cultural por obra e graça de Rafael Lima, amigo meu e um dos colunistas daqui, com o qual, no meio dos anos 90, eu trabalhara num fanzine chamado Mancha Gráfica. Dos textos que escrevi para o fanzine, finalmente, me lembrei, apenas esse não havia sido publicado. Parecia, segundo ele, que o texto funcionava melhor na Internet; na época uma recém chegada.
Os anos passaram, o Mancha também, e por fim o texto sumiu... ou melhor, reapareceu, e o Rafael provou que tinha razão: o texto funciona melhor na Internet.
Assim, não sei se posso reclamar. Fico feliz de ser incluído nesse rol de colunistas, mesmo que de maneira ocasional, e o reaparecimento do texto me trouxe memórias boas, mesmo que não me lembre direito do que. Em todo caso, mais uma vez fui levado à conclusão de que um dos nossos maiores medos é ser publicado sem o nosso estrito controle. Sem saber o que vão falar de nós e de nossas idéias. Veja só o problema que o nosso presidente enfrenta para manter a coerência....
Por isso, como um grande especialista em evitar ser publicado, passo a todos tudo o que aprendi e que, com certeza, lhes ajudará a sofrer pelos cantos, sem precisar passar a vergonha de se expor, permitindo que você continue se achando o maior gênio do mundo, sem nunca Ter publicado nada:
Os 6 degraus para a não publicação:
1. Menospreze a opinião de todos...excetuando-se apenas a sua
Um verdadeiro gênio sabe que será incompreendido. Por isso, por que se importar com o que os outros pensam? É melhor deixá-los no escuro ou desprezar suas opiniões. Afinal de contas, quem são ELES para entender o que você escreve?
2. Não se preocupe em manter cópias... ou mesmo em criar um original
Uma das obras mais interessantes do mundo, a comédia de Aristóteles, dizem, não chegou às mãos do público atual pela falta de uma grande quantidade de cópias. Na verdade, o que importa se existiu ou não ao menos um original da obra supracitada? Mesmo sem Ter sido lida, ela já se constitui numa obra prima!
Para você seguir o caminho de Aristóteles, basta utilizar as desculpas usuais referentes a perda de arquivos ou papel : e-mails perdidos, cartas não registradas, assaltantes eruditos, Microsoft, Intel , etc.
Assim, você poderá lamentar para os seus amigos a perda de uma obra prima que nem chegou a ser escrita. Agora, no caso de algum espírito de porco duvidar de você, use a dica 1.
3. Esconda de todos o que você escreve... de maneira escandalosa
Quando receber visitas, espere o momento da sua chegada para recolher atabalhoadamente restos de papéis e outras coisas que possam indicar que você está trabalhando em algo. Se alguém perguntar do que se trata, responda furioso:
- Será que ninguém sabe respeitar a privacidade de um projeto em construção?
O mesmo funciona para textos que já tenham sido alardeados como terminados (um perigo, ver dica 6), mas , nesse caso, as desculpas devem passar pelo conteúdo da obra. Exemplos: memórias traumáticas de infância, acusações à figuras públicas e/ou perigosas, verdades para as quais o mundo ainda não está preparado, e tudo mais que só pode ser revelado após a sua morte.
E não havendo o que se publicar depois da sua morte, a sua genialidade póstuma está garantida, como vimos na dica 2.
4. Almeje publicar sempre nas maiores revistas e sites... eles não aceitarão seus textos mesmo
Uma boa maneira de manter o seu status de gênio é enviar textos apenas para os sites e revistas que contam com colunistas respeitados e bem conhecidos. Seus textos com certeza irão parar na lixeira e você poderá, graças á "injustiça" dos meios de comunicação de massa, reforçar a sua imagem (vide dica 1).
5. Mantenha sempre a sua integridade artística... sem ao menos precisar ter uma
Essa dica serve mais para os que constantemente recebem convites para publicar em algum lugar. A fim de se preservar e não escrever, sem perder a sua panache, apele sempre para a integridade artística. Assim, quase tudo pode virar um cavalo de batalha em defesa da sua obra, como:
"Eu não publico em revistas com papel couchê"
"Não aceito ser pago pelo que escrevo"
"Meus contos não se encaixam nessa publicação"
"O público que lê essa revista não vai me entender" (vide dica 1) e a clássica: " Esse editor é um imbecil"
6. Escreva sempre...mas nunca termine
Mas o melhor mesmo é nunca Ter coisa alguma a apresentar aos seus amigos, familiares e afins. A saída para isso é declarar estar "quase terminando" a sua obra prima. Com o passar do tempo, os revezes pelos quais a sua produção irá passar se constituirão numa história bem mais interessante do que você mesmo poderia escrever, entretendo a todos e distraindo a atenção do texto em si. Em todo caso, se alguém quiser ver o que você já produziu até agora sempre recorra as dicas 2 e 1. Por isso, lembre-se, deixar o texto incompleto é a melhor desculpa que você pode Ter para
Nota do Editor
Recebi esse texto assim mesmo, sem final aparente. Contatei o autor para notificá-lo, mas ele fez um escândalo, e disse que era assim mesmo que o texto devia ficar. Decidi publicá-lo então, literalmente, apesar de ainda não ter entendido direito nem os protestos do escritor nem o texto em si.
Lisandro.
Só agora tive o prazer de ler o seu texto. Pode apostar que há muitos gênios por aí seguindo, ao menos, algumas das suas sugestões. E o mais curioso é que uma parte está sendo publicada e sendo reconhecida.
Abraços do LEM