É o Fim Do Caminho. | Marilia Mota Silva | Digestivo Cultural

busca | avançada
62914 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Instalação DE VER Cidade - Brasília Numa Caixa de Brincar celebra o aniversário da capital
>>> CCBB Brasília é palco para “Amazônia em Movimento”, com o Corpo de Dança do Amazonas
>>> Mentor de Líderes Lança Manual para Vencer a Ansiedade
>>> Festival Planeta Urbano abre inscrições para concurso de bandas
>>> Ribeirão Preto recebe a 2ª edição do Festival Planeta Urbano
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
Colunistas
Últimos Posts
>>> Martin Escobari no Market Makers (2025)
>>> Val (2021)
>>> O MCP da Anthropic
>>> Lygia Maria sobre a liberdade de expressão (2025)
>>> Brasil atualmente é espécie de experimento social
>>> Filha de Elon Musk vem a público (2025)
>>> Pedro Doria sobre a pena da cabelereira
>>> William Waack sobre o recuo do STF
>>> O concerto para dois pianos de Poulenc
>>> Professor HOC sobre o cessar-fogo (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Uma conversa íntima
>>> Não era pra ser assim
>>> O receio de fisgar alguém submerso
>>> Caldeirão da História
>>> Entre mudanças e descartes
>>> Joss Whedon
>>> Giuseppe Ungaretti e a alegria do náufrago
>>> Gente feliz não escreve humor?
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> Layon pinta o silêncio da cidade em quarentena
Mais Recentes
>>> História Da República Brasileira: A Marcha Da Coluna Prestes 1923-1926 de por Hélio Silva E Maria Carneiro (Autor) pela Três (1998)
>>> Jerusalém de Andrea Frediani pela Bertrand Brasil (2011)
>>> 3 Livros Disney na Sala de Aula (Matemática Nível 1, 2 e 3) Formas e Sequências, Adição, Adição e Subtração de Linda Vahey pela Ibep Jr (2010)
>>> Por Um Socialismo Indo Americano de José Carlos Mariategui pela Ufrj (2005)
>>> A Literatura Portuguesa Através Dos Textos 62 de Massaud Moisés pela Cultrix
>>> Disney na Sala de Aula: Vamos Aprender Palavras e Frases (Nível 3 - Linguagem - Livro Mestre) de Alice Dickstein pela Ibep (2010)
>>> Medicina Alternativa de A a Z 62 de Carlos Nascimento Spethmann pela Natureza (2004)
>>> Estresse faça dele um aliado e exercite a autodefesa de por David Fontana (Autor) pela Saraiva (1994)
>>> O Que Vale A Pena... de Wendy Lustbader pela Alegro (2002)
>>> Lar, Doce Lar - A Lista De Natal - O Assassinato Do Rei Tut - Água, Pedra, Coração de por Will north mary higgins clark pela Reader (2010)
>>> A Percussão E O Ensino Superior Em Musica de Marcello Teixeira pela Ufrj (2014)
>>> As Mil e Uma Noites - Contos Selecionados de Paulo Sérgio de Vasconcellos pela Sol - Objetivo
>>> Ensaios Sobre A Música Polifônica: Vozes Que Iluminam O Ocidente de João Vicente Ganzarolli De Oliveira pela Ufrj (2017)
>>> Conspiração uma aventura do super espião Blackford Oakes de por William F. Buckley Jr. pela Best Seller (1987)
>>> Navegações - Comunicação, Cultura E Crise de Anibal Ford pela Ufrj (1999)
>>> Atitude Que Te Move de Paulo Alvarenga pela Benvirá (2018)
>>> Samuel Klein e Casas Bahia (Autografado por Samuel Klein): Uma Trajetória De Sucesso de Elias Award pela Novo Século (2005)
>>> Historia Da Arte No Brasil: Textos De Sintese de Myriam Andrade Ribeiro De Oliveira e outros pela Ufrj (2008)
>>> Pega Ladrão de Luiz Galdino pela Ática (1988)
>>> Frutas Extraordinárias - Coleção Pequenos Pensadores de Ivan Gouveia pela Girassol (2012)
>>> O Mistério Do Samba (coleção Antropologia Social) de Hermano Vianna pela Ufrj (2025)
>>> Corações Partidos de Luiz Antonio Aguiar pela Ática (2002)
>>> Dossiê Do Beijo 484 Formas de Beijar de Pedro Paulo Carneiro pela Catedral Das Letras (2003)
>>> Amor De Perdição - Col. Travessias de Camilo Castelo Branco pela Moderna (1997)
>>> Um Lugar Para Todos de Thrity Umrigar pela Nova Fronteira (2008)
COLUNAS

Quarta-feira, 15/1/2014
É o Fim Do Caminho.
Marilia Mota Silva
+ de 4500 Acessos

Sozinho, em algum ponto de oceano Índico, um homem (Robert Redford) acorda com seu barco inundado. A água atinge sua cama e continua subindo velozmente. Um container à deriva colidiu com a embarcação, abrindo um rombo no casco. O homem não perde a calma. Com uma força que não condiz com sua idade (77), desprende o container, remenda o casco, bombeia a água, enxuga e reorganiza tudo, sem desperdício de gestos ou palavras. Perfeito controle das emoções, competência, vigor, autonomia, um ar entre blasé e taciturno: o ideal masculino plenamente realizado.

O barco também é uma bela obra de desenho inteligente. Não sobra nem falta nada. Seus incontáveis nichos guardam recursos capazes de atender a qualquer emergência. Mas, com o rádio e os equipamentos de navegação destruídos logo na primeira cena, o homem navega, sem saber, rumo a uma violenta tempestade.

Tudo Perdido (All is lost) é o segundo filme que J.C. Chandor escreveu e dirigiu. O primeiro foi o ótimo Margin Call, sobre a crise financeira de 2008. São filmes muito diferentes mas que, de certa forma, se completam. Margin Call é repleto de diálogos e personagens, trata de um assunto específico e atual, e se passa, quase inteiro, nos escritórios de Wall Street. Tudo Perdido tem um só personagem e pouquíssimas palavras; passa-se em alto-mar e, segundo seu criador, conta uma história mais universal: "É sobre uma pessoa frente a frente com sua mortalidade, questionando sua vida, seu lugar no mundo".

Mas o tema não se restringe a essa metáfora tradicional em histórias que se passam no mar. O filme fala desse momento, do estágio atual do capitalismo e seus efeitos na vida e na mente das pessoas, especialmente as que habitam o topo, os 1%. Se em Margin Call, eles saíram impunes (e bem pagos) da crise para a qual contribuíram imensamente, em Tudo Perdido somos lembrados de que, não importa o quanto capaz e bem sucedido alguém seja, não há lugar a salvo no planeta. Estamos no mesmo barco e viveremos as consequências do mundo que criamos.

Chandor diz que não pensou nisso quando escreveu o filme mas que, de fato, Redford representa a geração que viu crescer a disparidade econômica nos Estados Unidos: "Todas as coisas que aconteceram nos últimos cinco a dez anos, surgiram nos últimos trinta anos. Ë parte do legado dessa geração, para o melhor ou pior".

Quando, no começo do filme, Redford (seu personagem é identificado apenas como "Nosso Homem" nos créditos finais) desengancha seu iate do container que o tinha abalroado, dezenas de pares de tênis e bugigangas variadas flutuam enquanto o container afunda. Nada mais emblemático. Globalização, exportação de empregos para países com mão de obra barata, desemprego nos Estados Unidos e suas consequências, aumento dramático da distância entre ricos e pobres, encolhimento e empobrecimento da classe média, radicalização da direita, por aí. "Nosso homem" é um consumidor privilegiado, basta ver seu iate super-equipado. E sua sorte é decidida por um container vindo da Ásia.

Em outro momento, "Nosso Homem" procurando alguma forma de se localizar, encontra um sextante antigo, que nunca tinha sido usado. Com ele e mapas náuticos, consegue chegar na rota de navios comerciais, com a esperança de ser resgatado. Quando surge um navio carregado de containers, ele se anima, dispara os sinalizadores, grita, agita os braços. E vê passar junto dele como um totem de ferro, o cargueiro imenso, sinistro e cego. A solidão e o desamparo do homem, vendo o navio seguir indiferente, sempre na mesma velocidade, e em linha reta, nos lembra como nos sentimos, muitas vezes, como clientes, consumidores e cidadãos.

Outro momento interessante é quando o "Nosso Homem", já reduzido ao barco salva-vidas, no limite do desespero, vira a cabeça para trás, olhando o céu e exclama: Fuck! Ele não invoca poderes sobrenaturais, nem como interjeição; nenhuma crença vem em seu socorro, o que é honesto e coerente com o personagem.

Nessa altura o filme volta à cena de abertura, quando ouvimos a voz de Redford compondo uma carta de despedida e desculpas. Presume-se que escreva para a família e que deixou assuntos mal resolvidos, palavras a serem ditas: Vocês hão de concordar que tentei tudo. Vou sentir falta de vocês, me desculpem.

A velha geração (o lado vencedor, o homem americano branco, velejando sozinho em seu iate perfeito) direta ou indiretamente responsável pelas conquistas e estragos feitos no planeta nas últimas décadas, está de saída e lamenta, pede desculpas. É toda uma era que termina. E agora, o quê?

Por coincidência, outro filme que saiu nesse final de 2013, Nebraska, também tem como protagonista um ator de 77 anos e também fala deste momento na vida do americano, só que, neste caso, ele faz parte dos 99%, e a história se passa no meio-oeste.

Woody Grant (Bruce Dern) é um pobre-diabo, um fracassado: alcoólatra, pai relapso, ex-mecânico de carros que não pode mais dirigir. Sua mulher e seu filho mais velho querem colocá-lo em uma casa de repouso porque o homem escapa de casa sempre que tem chance. Ele acredita que ganhou um milhão de dólares e quer buscar o dinheiro em Lincoln, Nebraska, nem que precise percorrer a pé mais de setecentas milhas. O segundo filho, David (Will Forte) com um emprego fuleiro, recém-deixado pela namorada, cansada de sua pasmaceira, resolve levá-lo, por pena e pela oportunidade de ter um contato maior com o pai.

No caminho, eles visitam a cidade onde Woody viveu na juventude, e a família que ele não vê há décadas.

O filme, em preto e branco, é uma comédia, disse o diretor Alexander Payne, e a gente ri mesmo, mas é um riso dolorido.

Uma cena hilária e deprimente, por exemplo: a família está toda reunida para encontrar Woody. O irmão e os parentes mais velhos, todos homens, estão sentados assistindo ao futebol. A filmagem é feita do ponto-de-vista da televisão, o que nos dá a visão de todo o grupo. Eles não têm nenhuma expressão no rosto e permanecem em silêncio. Seja o que for que estejam sentindo, as perguntas que talvez queiram fazer, eles escondem. A certa altura, o irmão de Woody, finalmente, encontra algo para dizer. Eles trocam algumas palavras sobre os carros que tiveram, sem olhar um para o outro e voltam a fixar na televisão a mesma expressão vazia.

Comentei a cena com amigos americanos; uma boa oportunidade para compreender melhor esse aspecto da cultura deles, bizarro para nós, brasileiros, mais informais e espontâneos. Falei do retrato cáustico que o filme pintava, especialmente dos homens, como se eles fossem incapazes de se comunicar mesmo entre si, em família.

"Mas não houve exagero nenhum", disseram. "A situação é exatamente da maneira que o filme mostra. A televisão, os jogos de futebol e a conversa sobre carros é o jeito de evitar qualquer conversa que possa resultar em emoção compartilhada, ou que possa provocar uma opinião sobre algum assunto mais pessoal ou sensível do que a escolha de carros. Estoicismo é uma virtude altamente valorizada na cultura americana e a cena mostra o quanto repressiva ela pode ser. Especialmente entre homens mais velhos".

Mas a geração mais jovem também é maltratada: quem a representa são dois primos, nos seus vinte, trinta anos, muito obesos e imaturos; só falam de carro, de velocidade, e se acham superiores porque correm mais ou tem carro mais potente. Os dois só se mexem quando tentam roubar a suposta fortuna do tio.

Quase só há velhos na fictícia Hawthorne onde se passa o filme. Não há crianças. A casa onde Woody passou a infância, uma bela casa de fazenda, grande e confortável , está abandonada, caindo aos pedaços. Woody é a imagem do arrependimento, do fracasso. Ele responde a todas as perguntas sobre sua vida com um "Não sei, ou não importa, não faz diferença". O passado se desfaz e não há futuro.

Ainda assim, quando o filme acaba, a sensação que fica não é a de que está tudo perdido. Um lumezinho brilha na desolação do cenário cinza: o amor do filho, sua genuína humanidade, o sonho simples, a felicidade que não depende de fortuna. O milhão de dólares, afinal, não fez falta nenhuma.


Marilia Mota Silva
Pensacola, Fl, 15/1/2014

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Fake-Fuck-Fotos do Face de Jardel Dias Cavalcanti
02. Miguel de Unamuno e Portugal de Celso A. Uequed Pitol
03. Ensaio de interpretação do Orkut de Julio Daio Borges
04. Rousseau e a Retórica Moderna de Carlos Eduardo Suprinyak
05. A Concepção da Popozuda de Paulo Polzonoff Jr


Mais Marilia Mota Silva
Mais Acessadas de Marilia Mota Silva em 2014
01. Defensores da Amazônia - 19/2/2014
02. Proposta Decente? - 20/8/2014
03. O Subjuntivo Subiu no Telhado - 21/5/2014
04. O Ouro do Brasil - 17/9/2014
05. O Mito da Eleição - 16/4/2014


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Uso e Posse Temporária da Terra Arrendamento e Parceria
Nilson Marques e Altamir Pettersen
Prolivro
(1980)



O Menino de Burma
Biyi Bandele
Record
(2009)



Tecnologias e Ferramentas de Gestão
Décio Henrique Franco e Outros
Alínea
(2010)



Frommers Argentina
Alta Books
Alta Books
(2009)



Princípios de Economia
Carlos Roberto Martins Passo
Cengage do Brasil
(2011)



O Livro dos Médiuns
Allan Kardec
Ide
(2008)



Seleção Natural Ensaios de Cultura e Política
Otavio Frias Filho
Publifolha
(2009)



Arte nos Séculos 8 Volumes Completo
Abril Cultural
Abril Cultural
(1969)



Revolución y Sociedad
Umberto Melotti
Fondo de Cultura Economica
(1971)



Onze Minutos
Paulo Coelho
Rocco
(2003)





busca | avançada
62914 visitas/dia
2,5 milhões/mês