COLUNAS
Quinta-feira,
10/4/2014
Histórias de superação que não fazem sucesso
Elisa Andrade Buzzo
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Imagem do filme Estação Liberdade
Dois longas-metragens marcados por uma escalada tortuosa rumo ao encontro de si mesmo. Situações-limite nas quais seus protagonistas são lançados em uma trajetória individual, marcada por poucas palavras e um corpo a corpo com a malha urbana, cujo resultado final seria a superação e o entendimento daquele momento da vida para prosseguir de forma mais harmônica, quem sabe.
Algumas semelhanças entre O abismo prateado (direção de Karim Aïnouz) e Estação Liberdade (direção de Caíto Ortiz), que estrearam em 2013 nos cinemas. Não para por aí a lista de pontos em comum nessas jornadas que não têm muito de herói, mas que mais se aproximam da vida real. No entanto, quanto mais perto desta nossa realidade mais distante parece o público. Isso porque, às vezes, histórias de superação não fazem sucesso. Ao menos quando um anti-herói nos aguarda, ou seja, quando o personagem se mostra nem bonzinho, nem bandido, mas com nuances e a capacidade de surpreender.
Em O abismo prateado, a protagonista Violeta (Alessandra Negrini) − uma dentista casada, com um filho e um apartamento novo em Copacabana − tem uma guinada ao receber um recado do marido no celular, avisando que a deixava. Seu desconsolo é abrupto quando se vê abandonada pelo marido, e ainda com um apartamento que ainda nem teve toda a mudança desfeita. Alessandra Negrini caminha sobre as frágeis bases do roteiro levando o filme adiante praticamente sozinha em sua jornada pelas ruas do Rio de Janeiro em busca do marido, de um razão.
Ainda que no decorrer do filme ela encontre a companhia de Nassir (Thiago Martins), pai solteiro, e sua filha Bel (Gabi Pereira), a atmosfera de solidão e desconsolo parece apenas se intensificar. O aeroporto vazio na madrugada, assim como a cidade trafegada, a incursão numa boate ou a amplidão do mar à noite são elementos de distanciamento, busca, sofreguidão.
O que me chamou a atenção em Estação Liberdade foi a presença desse corpo a corpo com a cidade com uma densidade ainda maior e pontual. Sabemos com detalhes os locais pelos quais seu protagonista perpassa na cidade de São Paulo (é deveras poético encontrá-lo caminhando pelas ruas penumbrosas com as características luminárias da Liberdade) e, ainda assim, há um elemento universal em seu desassossego e busca por uma identidade que tornam a trama factível em qualquer parte.
Mario Kubo (Cauê Ito) é um introspectivo filho de pai imigrante japonês e mãe brasileira, em crise existencial. Seu casamento está por um fio e o fato de ter recebido uma carta do Japão, que irá trazer à tona questões familiares, só piora a situação. Um dia, Mario sai do emprego e não volta para casa. Acaba pegando o último trem da noite, para na estação Liberdade, passando a madrugada vagando pelo bairro, reduto oriental de São Paulo.
Ele passará por uma série de lugares e contará com a ajuda de algumas pessoas a fim de se "libertar" de um peso que ele mesmo não sabe a origem (mormente o peso seja exatamente a sua "origem"). Encontra todo tipo de gente, e com elas interage, em diversos locais, como numa festa particular, onde vai a fundo literalmente até os subterrâneos das substâncias ilícitas; num karaokê, onde conhece um senhor japonês que lhe ajuda a desvendar a carta que tanto lhe angustia; num motel que lhe serve de "base" em sua noite de deslocamentos pelas ruas da Liberdade e onde tem uma aventura sexual; e mesmo pelas ruas em si, iluminadas e solitárias, espelho seu.
São filmes em que a noite na cidade tem papel preponderante no desenrolar das situações. Neste caminho percorrido por Violeta e Mario há um raro encontro (com si mesmo?), auxiliados pelos coadjuvantes. Digamos que, ao seu modo, os longas-metragens têm um "final feliz", independentemente do desfecho amoroso em ambos os casos, já que seus protagonistas, de alguma forma, superam, estão prontos para dar continuidade à sua vida. E talvez esta sua característica de introspecção, e de certa forma solitude, não agrade fácil nem leve grandes plateias aos cinemas.
Elisa Andrade Buzzo
São Paulo,
10/4/2014
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