COLUNAS
Segunda-feira,
31/3/2014
Sobre e-books e caipiras
Yuri Vieira
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Todo mundo se revolta ao descobrir que o autor de um livro impresso ganha apenas 10% do preço de capa - mas nem assim compra um e-book do desgraçado! E por que isso seria bom para o autor? Ora, porque, na Amazon, por exemplo, eu ganho de 30 a 70% do preço de capa - e isto é inédito em toda a história da publicação de livros! Toda edição é um investimento, um risco que o editor está correndo pelo autor. O sujeito, sem saber se terá retorno, tem de bancar papel, gráfica, distribuidor, "jabá de livreiro" (vitrine) e mil outros detalhes dispensados pelo e-book. Por isso qualquer livro(e-book) vagabundo pode ir parar na livraria da Kobo ou da Amazon: não é um investimento tão caro! Você está apenas ocupando 500KB em um servidor, muito menos do que um arquivo de MP3. E será o mercado, isto é, a procura pelo livro, que dirá se ele vale ou não alguma coisa.
Faça os cálculos: você paga R$35,00 por um livro impresso X e desse montante o autor recebe apenas R$3,50; por outro lado, você paga R$7,00 por um e-book e o autor fatura R$4,90! Percebe? Você economiza R$28,00 e o autor ganha muito mais! Infelizmente, sei lá por quê (talvez porque o brasileiro comum tenha nojo de Kindle e de Kobo), os editores brasileiros ainda não perceberam que lucrariam muito mais vendendo e-books baratos e não pelo mesmo preço de um livro de papel. A vantagem do e-book é o acesso rápido ao livro, à livraria, através de wi-fi, e não o simples fato de ocupar menos espaço ou de não consumir árvores. Se você perde o aparelho, o livro ainda será seu, pois permanece lá na "nuvem". Os e-books piratas só são buscados nos labirintos de sites lotados de vírus e malwares porque vale mais à pena enfrentar esses riscos cibernéticos do que comprá-los! O preço do e-book deveria levar em conta a facilidade de baixá-lo da fonte legítima, e não a excelência do autor. Ora, todo escritor quer simplesmente ser lido e, se não precisasse comer, sairia distribuindo seu livro de graça. O e-book veio para facilitar nossa vida, não para combater uma suposta tara no contato da mão com o papel. Será que ninguém nunca perdeu livros para cupins ou durante o transporte de uma cidade para outra? Nunca viu livros mofando na estante de uma casa de praia? Nunca emprestou um livro a um amigo que mais tarde o perdeu? Na minha singela opinião, o livro de papel é uma homenagem que você presta a grandes autores e a livros importantes, isto é, a livros que merecem ser exibidos numa estante. Os demais podem permanecer apenas no formato digital.
Aqui no Brasil, muitos talentos minguam apenas porque precisam dedicar seu tempo a ganhar a vida - ao passo que os atos de "ganhar a vida" e de "escrever", num país de gente civilizada, costumam ser um único e mesmo ato. E não falo apenas de mim mesmo! Hilda Hilst vivia revoltada por ter escrito mais de 40 títulos e, ainda assim, ter de viver de esmola da Unicamp (Bolsa do Artista Residente). Lygia Fagundes Telles me deixou desanimadíssimo quando estive em seu apartamento: aos oitenta e tantos anos de idade, ela me disse que seus direitos autorais jamais seriam suficientes para comprar a comida do mês! Por isso, quando vejo gente torcendo o nariz para e-books, me lembro daquele episódio de Downton Abbey no qual os empregados ficam estranhando aquela coisa esquisitíssima que é o telefone: torcer o nariz para uma nova tecnologia, que só pode nos ajudar mutuamente, é coisa de caipira!
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Três outras vantagens do e-book: 1) com um e-reader é muito mais fácil aprender uma língua estrangeira, já que basta apenas um toque com o dedo sobre a palavra para abrir o dicionário e conferir seu significado; 2) se você já lê noutra língua, saiba que os e-books custam baratinho em sites estrangeiros e podem ser baixados instantaneamente com um único clique (ao contrário dos livros impressos que podem levar até um mês para chegar pelo Correio); 3) você já tentou ler Ulisses na cama? É como fazer musculação antes de dormir, um mega tijolo que só aceita ser lido no colo ou sobre uma mesa, ao passo que o e-reader pesa menos que um livreco de bolso.
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Chega. Eu odeio essa discussão sobre e-books e livros de papel, odeio. Cansei dela. Estou discutindo sobre isso desde 1999, quando então criei meu primeiro e-book para RocketBook. Ora bolas, livro é o texto escrito, não o suporte. Por mim, todos os meus livros teriam páginas de mármore ou de granito negro com 1,50m de altura gravadas com letras de 5cm em baixo relevo: vocês não imaginam como um livro de granito seria mais cheiroso (poderíamos passar essências perfumadas nele) e agradável ao toque do que um de papel! E seria uma delícia sublinhá-lo, riscá-lo e escrever em suas margens usando apenas um cinzel! Neste nosso país tropical, ele também poderia ser usado para nos refrescar, bastando apenas tirarmos a roupa e deitarmos sobre ele - fresquinho, fresquinho (pergunte ao seu cão). Infelizmente, como esses livros de pedra são muito difíceis de guardar e de carregar, fico apenas com meus milhares de livros de papel e com meus milhares de e-books. Aliás, há quem chame brochura de "livro tradicional". Antes dos anos 1950, escritores sérios tinham vergonha de serem editados em brochuras, só aceitavam edições em capa dura com cadernos costurados - nada de capa mole com cadernos colados! As mudanças chegam, são assimiladas e chega o tempo em que ninguém mais se lembra de sua ocorrência...
Yuri Vieira
Goiânia,
31/3/2014
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