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Segunda-feira,
14/4/2014
Era uma vez
Carina Destempero
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Vou te contar uma história, começa assim, Era uma vez uma moça, muito bonita, muito inteligente, muito meiga, muito princesa-de-contos-de-fadas, pelo menos era o que todo mundo dizia, o que todo mundo achava, e quando a moça passava o povo exclamava, Ó-como-ela-é-bela, Ó-como-ela-é-doce, e a moça sorria, agradecia, e seguia, cada vez mais longe, cada vez mais isolada, cada vez mais dentro de si, e nesse espaço de dentro ela não se sentia moça, nem princesa, muito menos doce, ela mordia o próprio lábio e o gosto era amargo, ela era ira, preguiça, luxúria e orgulho, ela era avareza com seus pré-conceitos, com seus repetidos erros, sempre os mesmos erros, Ó-meu-deus-somos-matematicamente-perfeitos, Ó-meu-deus-ele-é-água-pra-minha-matemática, até que um dia, Como-pude-me-enganar-tanto, Como-pude-fazer-isso-de-novo, Nunca-mais, Never-ever-again, daqui-pra-frente-tudo-vai-ser-diferente, e assim seguia, até que um dia, até que os olhos de novo brilhando, até que mais um Príncipe-encantado-que-trouxe-um-livro-de-presente, e ela, que só via o livro e não olhava pra frente, tropeçou, a cara na lama, então o príncipe lhe deu um sorriso preciso-ir-agora, Tenho um compromisso urgente, soprou um beijo sabor pasta de dente e sumiu, e ela chorou, Como-pude-me-enganar-tanto, Como-pude-fazer-isso-de-novo, um-ciclo-não-tem-começo-nem-final, só que aí ele, ele não era príncipe, rei, nem mesmo tinha um cavalo, ele era apenas alguém, ninguém, Um, Nenhum, Cem mil, quando olhava pra ela, ele não via a princesa-de-contos-de-fadas, ele via o orgulho, compartilhava a luxúria, sentia gosto de ira quando a beijava, e tocava a avareza quando percebia ela repetindo os mesmos erros, quando tentava alcançá-la e ela fugia pra dentro de si, mas ele não era príncipe, a lama não o intimidava, então ele a seguiu pro lado de dentro, e na escuridão enxergou o medo, medo que ele não podia matar como a um dragão, medo que matava tudo de bom que ela sentia, ele não sabia o que fazer, não tinha lido a solução num livro, então ele fez a única coisa que podia, ele lhe deu a mão, e assim eles foram, não felizes, nem Para Sempre, mas juntos.
Carina Destempero
Rio de Janeiro,
14/4/2014
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