COLUNAS
Terça-feira,
6/5/2014
Émile Zola, por Getúlio Vargas
Celso A. Uequed Pitol
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Em 1906, a revista estudantil Panthum, da faculdade de Direito de Porto Alegre, recebeu um artigo assinado por um jovem estudante sobre um dos escritores mais populares na província: Emile Zola. No Brasil das primeiras décadas do século XX, o escritor morto em 1902 ainda era figura famosa e influente nos círculos literários nacionais, naturalmente afrancesados e um tanto atrasados em relação às novidades culturais do Velho Continente, que já ensaiava o modernismo enquanto ainda líamos os naturalistas e realistas. Tais círculos eram sobretudo compostos por estudantes e graduados em Direito. O curso então congregava todos os jovens com inclinações humanísticas, ainda que não necessariamente jurídicas. Muitos deles, se vivessem hoje, talvez não optassem pelo Direito: seriam estudantes de Filosofia, de Letras, de História, de Jornalismo ou de algum outro curso da área. Entre estes jovens encontrava-se o autor do ensaio: Getúlio Dorneles Vargas.
Quando digo "estes jovens", refiro-me especificamente a estes que, sendo estudantes de Direito, não eram necessariamente juristas natos. Segundo o testemunho dos que foram colegas de Getúlio, como João Neves da Fontoura e outros, ele se destacava menos pelo desempenho acadêmico do que pela cultura geral, principalmente literária, e pela habilidade oratória, que faziam dele um estudante extremamente popular entre seus pares.
Transposto para o papel tamanho ofício, "Zola e a crítica" conta cinco páginas e impressiona pela desenvoltura. Getúlio não está lá como diletante, como jovem fã de literatura de 24 anos que resolve falar de seus poetas preferidos para outros jovens fãs de literatura de 24 anos. Está lá como quem quer escrever um artigo a sério. Dialoga com estudiosos como um De Sanctis, um Silvio Romero, um José Veríssimo e um Alcides Maya, demonstrando conhecer, e bem, a fortuna crítica sobre seu objeto de análise; compara a recepção à obra de Zola em sua França natal e no resto do mundo; analisa o clima social, cultural e político do país e relaciona-o à obra; tece comentários sobre o artista e defende-o de seus detratores, citados um a um; e tenta, enfim, reabilitar a escola Naturalista, que já era alvo de ataques no momento em que Getúlio escrevia. É um verdadeiro ensaio de crítica. Mas um ensaio diferente do que estamos acostumados a ler.
Em "Zola e a crítica", Getúlio nada fala do estilista Zola ou do narrador Zola: nem sequer cita-lhe trechos para análise. Em vez disso, prefere exaltar a capacidade do escritor em perceber o momento histórico: "Ninguém melhor tinha o sentimento da conflagração das massas, e sabia objetivar no romance o movimento das multidões. O arrojo coletivo desses operários individualmente humildes, educados na passividade cega da obediencia,como desagregam de si parcelas de energia, formando essa resultante uniforme, assustadora e irresistível, que se despenha como uma avalanche levando em seu seio uma ameaça de explosão." Elogia, e muito, o Zola reformador social e artístico - "A França já se não satisfazia mais com o canto dos rouxinóis. Era preciso um reformador, para quebrar a estagnação planimétrica em que se atufara a Arte, talhando novos moldes para a idealização da vida. Um reformador e um crente, que tivessea inabalável convicção do mérito da sua obra, e algum tanto da rudeza nativa do povo, que fosse a ressonância da voz dos oprimidos e a vibração poderosa do descontentamento da época".
O leitor mais atento notará que esta última frase - Um reformador e um crente, que tivessea inabalável convicção do mérito da sua obra, e algum tanto da rudeza nativa do povo, que fosse a ressonância da voz dos oprimidos e a vibração poderosa do descontentamento da época - ficaria muito bem na boca de qualquer partidário de Getúlio. Era isso que apresentava ao povo e é isso que seus defensores vêem nele até hoje: o reformador e o crente. Mas um tipo bem peculiar de crente, que não só convivia harmonicamente com o reformador como inclusive lhe dava suporte. A fé do crente Getúlio era a mesma de Zola e de muitos outros de seu tempo: o positivismo. Sob esta pedra Getúlio ergueu sua própria Igreja, adaptando-a às necessidades históricas.
O ensaio completo de Getúlio está aqui.
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
6/5/2014
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