COLUNAS
Terça-feira,
5/8/2014
Seriados made in the USA
Juliana Lima Dehne
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Seriados. Todo mundo gosta. Eu, inclusive, adoro. Há um mês eu trabalhei em um Writers' Room, em Colônia. Foram seis semanas de trabalho árduo, poucas noites dormidas, muito café, pizza e quiche. E nem em Paris estávamos. Por um milagre não engordei.
O que tem um Writers' Room a ver com um seriado? Tudo. Qualquer seriado que tenha mais de oito episódios, geralmente, requer um time de roteiristas para fazer acontecer. O nosso time de nove foi liderado pelo showrunner Morgan Gendel que, além de premiado com Hugo Award e nomeado ao Emmy, escreveu e produziu grandes seriados como Law & Order e Star Trek: the new generation. Ele está acostumado a trabalhar para as networks, o que quer dizer, para uma temporada de 22 a 24 episódios. Para a TV por assinatura, como HBO ou AMC, ou para as distribuidoras virtuais, como Netflix ou Amazon Prime, a expectativa é de 10 -13/14 episódios por temporada.
O sistema americano de televisão funciona da seguinte maneira. Primeiro um roteirista tem uma brilhante ideia (pois é claro que achamos que nossas ideias são sempre brilhantes) para um seriado que se chama "pitch". A partir do pitch, ele escreve o chamado piloto, que de uma certa maneira é como um piloto de avião, pois ele conduzirá a temporada. O piloto serve como guia. Ele apresenta as personagens, os problemas que terão que enfrentar, o tema do seriado, e até o modelo para cada episódio sucessivo seguir. É uma espécie de blue print que os outros roteiristas, no Writers' Room, terão que seguir. Ai alguém lá no canal de televisão como ABC ou NBC gosta tanto do que leu que "encomendará" o piloto, ou seja, o primeiro episódio. O roteirista, que teve a brilhante ideia, e seu time de pelo menos oitenta pessoas, produzem o piloto. Só que eles não são os únicos. Pelo menos outros noventa times estão também na corrida frenética do chamado "Pilot Season". Mas chegar ao produzir, significa que esses sortudos já passaram pela peneira que deixou uns outro dois mil para trás.
Ai vem a hora da verdade: os estúdios coletam esses pilotos produzidos e fazem o que é chamado de "screen tests". Eles trazem público, que nem eu e você, para assistir e votar, dar opinião, dizer o que gostou e não gostou e, baseado nestes resultados, eles escolhem a metade dos pilotos para virarem seriados. É neste momento intenso de muitas noites mal dormidas e muito estresse que o telefone, com a sorte ou o azar do outro lado da linha, toca.
O telefonema da sorte chama-se "green light" (luz verde). O roteirista, que teve a ideia brilhante, escreveu o mapa do tesouro e produziu o primeiro episódio para a tela, virará então o showrunner de um novo seriado. Esta função, apesar de ser uma função relativamente nova, final dos anos 90 para cá, é primordial. Ela é uma mistura de produtor e roteirista. O showrunner, como diz o nome, é a pessoa que "runs the show" ou seja comanda o show.
Acredito que só o sistema americano prepara profissionais para exercer tal cargo, pois foi este sistema que criou o cargo. O showrunner formará então um time de roteiristas para escrever os próximos vinte e tanto episódios pois, como novela brasileira, o volume de episódios é tão grande que tem que ter um sistema industrial para que se produza episódios continuamente em pouco tempo. São apenas seis semanas entre o "green light" e a estreia da temporada. E tem que ter criação e produção simultâneas. Nem novela brasileira tem showrunner, pois quem escreve não produz, e quem produz não escreve e os diretores comandam os sets. Nos EUA são os escritores que comandam os diretores. Seja para uma comédia de meia-hora ou um drama de uma hora, o sistema de produção é o mesmo. A diferença entre produzir 13 ou 22 episódios se nota na qualidade do produto final. Com menos episódios tem-se mais tempo para os detalhes e são os detalhes que fazem a diferença. Pense em Mad Men ou Game of Thrones.
Mas a produção de seriados está mudando com o avanço da tecnologia. Netflix por exemplo produz a temporada toda antes de levar ao ar, já que a mesma é oferecida de uma vez só, o que formou um novo hábito de consumo chamado "binge watching" (assistir compulsivamente). Seriados como House of Cards ou Orange is the New Black vêm de uma só vez, completo. Eu, por exemplo, assisti House of Cards em uma tacada. Só não conta para ninguém, pois eu disse que estava trabalhando. E de uma certa maneira até estava.
A televisão como nós a conhecemos mudou e continuará a mudar com os avanços da tecnologia e os novos hábitos de consumo das novas gerações. Daqui a pouco não haverá mais separação entre TV e Internet e não haverá mais horário imposto para assistir ao seu programa favorito. Mas voltando a falar sobre a produção, exibindo um episódio por semana ou todos ao mesmo tempo, tanto faz. De qualquer modo, eles dependem de um Writers' Room para criar a temporada. E as vantagens de escrever coletivamente são enormes.
Durante as nossas seis semanas, nós criamos um seriado novo para o mercado europeu com o modelo americano de produção. A eficiência e qualidade do que se produz com dez cabeças capazes em vez de uma ou duas, são imbatíveis. Claro que sempre existem exceções, como o escritor de Vikings, Michael Hirst, que escreveu a temporada solo. Toda regra tem sua exceção.
Como o provérbio nigeriano que diz que "it takes a whole village to raise a child" (é preciso uma aldeia para criar uma criança), eu digo "it takes a whole village to create a series" (é preciso uma aldeia para criar um seriado). E esta aldeia começa no Writers' Room e termina na sua tela de TV.
Juliana Lima Dehne
Munique,
5/8/2014
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