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COLUNAS
Quinta-feira,
28/8/2014
Noites azuis
Elisa Andrade Buzzo
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Certo silvo de pássaro ou uivo de louco atravessando a rua na madrugada e pousando em cada casa, que não lhes responde, fazendo de seu silêncio a indiferença burguesa frente aos ruídos animalescos. São as horas de ressurgência, do deslocamento dos desajustados, quando também acontece a última saída das boates, os embebedados caminhando pelas ruas até seus carros e, felizes com o mundo, espalham seus gritos e risos na quietude azul do bairro.
Noites azuis, porque nelas todos podem ser qualquer coisa ou ninguém, perder a sua identidade sob a falta de claridade, no alto breu, misturar-se às sombras. Esgueirar-se na imundície das calçadas ou lançar-se ao asfalto orvalhado. Tem algo a ver com os mortos esta distensão de tempo em que basta uma presença humana para habitar o mundo, duas presenças para abrir um diálogo, ou então, esta celebração do puro silêncio de uma rua na madrugada. Apenas porque é tarde e não se percebe mais a aparente imobilidade do pensamento.
Estão todos como que surdos diante de apelos sinistros, deste fogo lançado em atmosfera pacífica. Aos poucos, não há mais lugar algum aberto e raramente portas e garagens abrem-se na perspectiva mental de quem dorme. No azul as consciências se apagam em sono profundo de corpo cansado, ou se revolvem em possibilidades e desarmonias várias. Tanto amigos quanto inimigos poderíamos ser, nós, que vagamos pelas noites em busca de respostas, nós, cuja vida indistintamente poderia nos levar por caminhos díspares.
Mas a gente das ruas tenta ser alguma coisa, neste momento de viragem, não conseguindo se comunicar com os habitantes das casas e dos prédios, estes últimos encarcerados e abstinentes. Aqueles, obstinados, lançam todo o tipo de ruído amplificado pela noite, funk nos carros, gritos, xingos, destruição. E aqui estou eu: ninguém, entre a vigília e o pensamento, neon azul adentrando pela varanda. Até parece que estou em dois lugares ao mesmo tempo, rua e cama. Os contornos do eu se desfazendo na escuridão.
E no meu sono sou embalada por aquelas vozes já conhecidas, apesar de desconhecidos seus donos, em que ora se exaltam, imiscuídas pela loucura ou pelo álcool, ora amainam até desaparecerem na madrugada ou, finalmente, em minha consciência. Compartilhamos da mesma vida e aqui estamos confinados, numa quase esquina do quarteirão.
Elisa Andrade Buzzo
São Paulo,
28/8/2014
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