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COLUNAS
Sexta-feira,
22/8/2014
O Bigode
Carina Destempero
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Desde o dia em que assisti o filme O Bigode, de Emmanuel Carrère, tenho pensado sobre a verdade. No filme, passamos o tempo inteiro sem saber qual é a verdade de fato, e nem ao final dele essa resposta é dada. Afinal, o que é a verdade? Ela existe? A verdade só tem esse estatuto se nós o damos. O que é verdade para mim pode não ser para você. E isso não quer dizer que um dos dois esteja mentindo. Acontece que não há nada que envolva o humano que seja objetivo. Tudo é sempre influenciado pela nossa percepção, pelo que acreditamos, pelo que sabemos, e, para complicar ainda mais, pelo que não sabemos também. Nosso inconsciente tem papel de protagonista nas nossas verdades e mentiras. Por isso sempre que mentimos dizemos muito de nós. Qual foi a história escolhida? A desculpa dada? O que omitimos? Tudo isso tem ligação com algo de nós que desconhecemos.
Já escrevi que calar não é mais seguro do que falar. Pois mentir também não é mais seguro, nem mais perigoso. Contar, seja o que for, sempre cria laços. Tudo que dizemos e que nos é dito pode ser falso ou verdadeiro, pode inclusive ser verdadeiro quando foi contado a primeira vez e já não ser mais da segunda vez. Tudo pode ser falseado ou tornar-se verdade. Então essa verdade verdadeira que muitas vezes buscamos é utópica. A imparcialidade é uma utopia, tudo que diz respeito ao humano é arbitrário.
Sempre que alguém lhe conta algo você tem duas alternativas: acreditar ou não. Se formos checar a cada vez os fatos, buscar outras fontes, tentar fazer com que a pessoa seja "pega na mentira", quem fica preso somos nós. O que importa é o discurso, não o conteúdo. E, se criar uma ficção é fácil, mantê-la não é, e tudo que for feito na tentativa de sustentar essa "mentira" pode dizer mais que a verdade não dita.
Já ouvi diversas vezes que sou muito crédula. E que tanta credulidade seria incompatível com uma pessoa inteligente. Discordo. Entender que o mais importante é dizer, e não a veracidade do dito, é algo que só vem da sabedoria de que não se pode saber tudo. Ou, como diz Carrère no livro que deu origem ao filme, "o mais inteligente é quem pára primeiro".
Carina Destempero
Rio de Janeiro,
22/8/2014
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