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Sexta-feira, 27/3/2015
'Eu quero você como eu quero'
Ana Elisa Ribeiro
+ de 3800 Acessos

Na casa onde eu cresci, fotografia era algo importante. Tudo o que a fotografia podia representar era importante. O registro dos momentos, a revelação, a formação do álbum, a organização das fotos nas páginas, a datação, a descrição do evento e, depois, o momento mágico de mostrar as fotos aos amigos, parentes e namorados. As fotos não nos chegavam avulsas, presenteadas por conhecidos. Elas eram tiradas pela minha mãe, que tinha uma câmera Olympus da qual se orgulhava.

Ter uma câmera e tirar as melhores fotos possíveis era um cuidado com o tempo: com o presente, o passado e o futuro. Não era banal. Não era apenas "bater foto". Era agir sobre a memória e o memorável. Cresci com essa noção de registro fotográfico - tenho câmera - inclusive filmadora - desde nova e é comum que eu seja a única pessoa que tem fotos do pessoal da escola, da turma da rua, etc. Hoje em dia, embora isso seja banal, as fotos são virtuais... não sei se sobreviverão ao tempo e aos softwares, ao ponto de se tornarem registros duradouros. E não que eu não torça. Eu apenas não sei.

Nos meus tempos de menina, o que nem vai tão longe, era necessário saber sobre filmes e o processo da fotografia. A palavra "revelação" diz muito sobre a espera para conhecer a foto, que não aparecia de antemão no visor. O clique do fotógrafo era único, um tiro planejado (ou não). O olhar do fotógrafo precisava ser previdente. A revelação demoraria e, depois dela, a foto seria conhecida. Não era possível selecionar previamente. A edição do álbum vinha depois, com a escolha dos registros mais bonitos, com menos olhos fechados e mais poses apresentáveis. Era o projeto da foto, a espera, a alegria ou a decepção. A cópia de presente, a colagem no álbum. Vamos ver? Um evento.

Foi assim, em grande medida, que conheci e compreendi a fotografia. De toda forma, ainda que a maioria delas fosse posada, montada e até falsa, sempre preferi a foto espontânea; o riso, a conversa, o movimento daqueles que não percebiam bem o clique, que não se viravam, obrigatoriamente, ao fotógrafo, e não se rendiam a uma alegria forçada. Mas a foto espontânea é rara, difícil, aleatória. Constrangemo-nos um pouco quando vemos a câmera. Sorrimos diferente e murchamos a barriga. Conseguir fotos espontâneas é uma arte. Que eu admiro.

Que noção temos da fotografia? Certamente, o registro e a memória estão entre os elementos que mais comumente nos interessam, mas estão, também, as ideias de compor um quadro com as melhores roupas, as melhores poses, o melhor ângulo (não é assim que dizemos?) e as cores que não temos, naturalmente. O fotógrafo trabalha com a luz, com o enquadramento, mas também com a poesia e a construção da imagem. A imagem não esta lá. Ela é montada, produzida, composta. A escolha de um modo de fotografar ajuda a construir um registro. E como nos conhecerão no futuro? Ou que representação queremos de nós?

Há alguns anos, resolvi pagar a um estúdio para que fizesse um ensaio fotográfico de minha relação com meu filho. Fiz questão de frisar que gostaria de registrar o ar que nos une no dia a dia. Não queria meu filho com as melhores roupas - as que ele quase não usa - e nem com o cabelo - que ele deixava crescer - escovado. Não queria aquele tênis novo que ele detestou. Eu queria compor um álbum do meu filho meio louro, descabelado e risonho com que lido todos os dias, pelos corredores de casa, de bermuda colorida e chinelo. Da mesma forma, eu buscava um registro dos beijos que realmente nos damos, dos abraços que trocamos e das brincadeiras que fazemos quando estamos juntos. Não na foto, mas na vida.

Pedi à fotógrafa que não me produzisse. É claro que reconheço a beleza do artifício em uma mulher, a cor, a valorização do olho, da boca, do cabelo, do ângulo. Mas eu não queria "aparecer na foto" como eu não sou, para mostrar aos outros quão bonita eu poderia ficar. Esse talvez seja um fetiche de grande parte de nós, que queremos nos parecer com "modelos". Pode ser útil, mas não era minha intenção. Eu queria um registro do meu cabelo cheio de fios brancos, da marca de expressão quando eu sorrio e dos olhos amendoados naturais. Queria meu jeans, meu All Star e meu relógio mais querido - não aquele que uso em casamentos, mas aquele de que mais gosto no dia a dia. E foi o que aconteceu. Eu e meu filho corremos, brincamos, dançamos, nos deitamos na grama, nos abraçamos e conversamos muito. Nós e a fotógrafa.

Minha preocupação era a seguinte (por mais que ela seja impossível): quando envelhecermos todos ou mesmo quando nos formos deste mundo, há de haver um registro do que realmente fomos, para que as pessoas queridas - como meu filho e meus netos - possam dizer: "eu me lembro dela deste jeitinho assim. Vejam como éramos mesmo lindos!".

Daí, depois de tanta relação com a fotografia, foi um pulo começar a pensar em aprender. Nossa relação com as imagens, mormente com as fotos, mudou tanto! Todos temos câmeras, programas de publicação, editores, quem não pode? Quem não se sente um pouco fotógrafo de vez em quando? E para que as pessoas se fotografam? Que funções as fotografias têm, nas redes sociais, por exemplo? A denúncia, a exposição, a memória, o desafio, o registro, a ostentação. Está tudo lá, só que para todos.

Enfim, fiz um curso de fotografia e investi em uma câmera melhor. Da mesma forma que demorei anos para me assumir "escritora", vou levar séculos para me chamar de "fotógrafa", em respeito aos profissionais que dominam essa arte/ciência. Mas arrisco uns cliques. E eles vão sendo elogiados, e demandados, e curtidos. E as pessoas começam a dizer que há algo de meu ali, reconhecível, inclusive. "Que imagem!", "Que sensibilidade", "Que instante!". E voltei, então, a pensar nos meus motivos.

O meu gosto, concluo, é pela espontaneidade. Não sei se é ético, mas eu gosto de zanzar pela festa sem que me notem (embora isso seja difícil com uma câmera maior) para flagrar os momentos de encontro, de papo, de riso. Eu procuro a imagem quando os atores se distraem de mim. Isso pode? Sabe lá. Nunca reclamaram. Vez em quando, dirijo as pessoas para que fiquem brincalhonas. Não parem, não olhem. Eu sou, enfim, uma cronista com uma câmera nas mãos. Sem poses, sem enquadramentos simétricos e sem sorrisos "diz xis". É mais ou menos como largar o teclado do computador e as palavras por um instante para brincar com a luz. É como aprender a escrever de novo.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 27/3/2015

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