COLUNAS
Terça-feira,
9/6/2015
Um DJ no mundo comunista
Celso A. Uequed Pitol
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Estamos acostumados a imaginar a vida dos jovens dos países do antigo Bloco Comunista como cinzentas, frias, desprovidas de toda e qualquer diversão, e ainda menos de diversões "ocidentais" como o rock'n roll.
Por isso, a muitos causará surpresa descobrir, por exemplo, que na duríssima Alemanha Oriental, a DDR (acrônimo para Deutsche Demokratische Republik, República Democrática Alemã) de Erich Hoenecker, da Stasi (polícia secreta do regime), do marxismo-leninismo ortodoxíssimo e dos Ladas circulando pelas ruas de Berlim Oriental, havia um cenário rock não só pujante como dotado de características distintivas do lado Ocidental.
Chamado, à sintética maneira alemã, de "Ostrock" - literalmente, "rock oriental", ou "rock do Leste" -, trazia letras mais sutis, meditativas, "filosóficas" do que as congêneres ocidentais. Uma das razões para isso era a necessidade de driblar a censura: a fim de terem seu material liberado, os compositores do lado oriental que quisessem criticar o governo ou os costumes - tópicos básicos do rock'n roll desde sempre - precisavam caprichar nas mensagens veladas, que censores, em todos os países, de todas as ideologias, em geral não compreendem.
Além disso, o rock da DDR apresentava estruturas musicais mais "sérias" e "conservadoras", o que era, segundo alguns estudiosos do fenômeno, fruto dos investimentos em educação musical clássica das escolas públicas do país. Em todo o mundo socialista, o pop "decadente" ocidental era malvisto pelas autoridades, mas a tradição musical clássica, não. Era entendida como legado humanístico a ser preservado, junto com toda a literatura e a arte até fins do século XIX e começo do XX -isto é, até a chegada dos "decadentismo" modernista, identificado com o acirramento das contradições do capitalismo. Na antiga DDR, como em todos os países comunistas da época, escutava-se muito Mozart, muito Bach e muito Beethoven e lia-se muito Walter Scott, muito Tolstói, muito Thomas Mann (e não Joyce, Virginia Woolf ou Kafka). Tudo isto influenciou de maneira decisiva na formação do rock da região.
Mas as rádios da DDR - como a mítica DT64, responsável pela divulgação das principais bandas de Ostrock da época - , não eram feitas apenas da sua música nacional: o rock e o pop do Ocidente também figuravam nas programações Em alguns casos, eram apresentados ao público com anuência estatal; em outros, sem ela. E o mesmo pode ser dito das rádios tchecas, russas, ucranianas, polonesas e de todos os demais países do Leste.
Podemos ter uma ideia do que tocava por lá a partir desta entrevista com Vladimír Zahradníček, ex-DJ de uma rádio da República Tcheca. Descobrimos, por exemplo, que o ultra-americano Bob Dylan era bem visto pelos membros do partido por suas canções anti-imperialistas, e que o pop "inofensivo" do Ocidente era tolerado. Já os Beatles e os Rolling Stones, pouco simpáticos a qualquer tipo de autoridade, não eram bem vistos. Era preciso, nestes casos, contar com o descuido (e a ignorância) dos censores.
Quando perguntado sobre o que seria uma típica programação de rock daquela época ele deu uma resposta bastante interessante, e que revela bem como funcionava a mentalidade dos censores oficiais:
Karel Gott - Lady Karneval
Bob Dylan - I want you
Helena Vondráčková - A ty se ptás co já, a cover of ABBA's "The Winner Takes It All"
Boney M - Rasputin
Puhdys - Lebenszeit, or "Lifetime"
Modern Talking - Cheri Cheri Lady
Elán - Tanečnice z Lúčnice, or "Dancer from Lúčnice"
Alla Pugacheva - Million Roses
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
9/6/2015
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