COLUNAS
Quinta-feira,
7/5/2015
Quero ser Marina Abramović
Elisa Andrade Buzzo
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Não sei se preciso necessariamente desacelerar; talvez minha vida, na contramão da própria vida estandartizada, não seja assim tão acelerada. Talvez eu tenha estratégias próprias de sobrevivência. Ao menos, não me vanglorio de ter uma "vida corrida" e todas as publicidades enganosas, vícios e vaidades que daí podem decorrer. No entanto, estive em uma sessão, com o intuito de "desacelerar", do Método Abramović, que "reúne uma série de exercícios que exploram os limites do corpo e da mente". Alguns ingênuos pensavam que ela, a avó da performance, estaria presente pessoalmente para ensinar o método a nós, pobres mortais, pois todos querem ver Marina Abramović.
Todos querem Marina e sonham em vê-la tomando um cafezinho no Sesc Pompeia, que abriga a maior retrospectiva de sua obra já feita na América Latina. Sua presença é onipresente: televisores em linha exibem as performances históricas, nas quais vemos o rosto de Marina comendo cebolas, o rosto de Marina imerso entre cristais, o cabelo de Marina penteado com fúria enquanto ela diz "art must be beautiful", o corpo de Marina engolfado por uma cobra gigante e medonha, Marina lavando um esqueleto com afinco, o rosto de Marina, o corpo de Marina. Além desses vídeos, que se iniciam na década de 70 e prolongam-se até os anos 2000, telões com as performances impressionantes em colaboração com o antigo parceiro Ulay e trabalhos de performers brasileiros complementam a mostra.
Mas os vídeos, o único registro dessa arte, não são suficientes. O público quer Marina em carne e osso. Nem que, para tanto, sejam necessárias horas de espera numa fila imensa dos ingressos para uma de suas conferências públicas. E quando Marina fala, seu tom de voz é tão calmo e envolvente, que somos imediatamente cativados por ela, transportados para outra frequência (além de ficarmos extremamente felizes de entendermos tudo o que ela fala em inglês, devido a seu sotaque). Sempre de preto, como se usasse um uniforme político, e com os longos cabelos impecáveis, ela lança um aspecto de semideusa por onde passa e, no entanto, o afeto com que trata seu público a traz de volta à realidade.
A performance, o teatro real, lugar onde tudo pode acontecer e tem sua dose de perigo, onde não há falas marcadas, aquilo que não é para ser necessariamente belo, onde se confrontam os medos, onde se repousam as questões, o quão longe é possível ir, um teste dos limites humanos, uma arte imaterial − tudo isso diz a artista sobre a chamada performance, em sua primeira palestra ao público brasileiro. E, revendo agora suas palavras, acompanhando outros performers no Sesc, parece-me que a arte performática é a que mais se parece com a vida em estado vivo, pulsante, o acontecer diário, a que se conjuga no instante presente e fugaz das ações, reinando absoluta e obrigatória na existência própria.
Estou agora com um fone de ouvido especial, com o qual nada mais se ouve, a não ser o abafamento bizarro do nada, como se o ar pudesse ser limpo do mero adereço do som. Deito numa cama com cristais encravados na cabeceira, fecho os olhos. Sou acordada com um leve toque de dedos. Percorro o ambiente lentamente, sentindo todos os ossinhos dos pés passeando no chão. A cada passo, meu corpo se inclina, o centro de massa é alterado. Agora estou sentada, novamente envolta por cristais. Depois, em pé, no vão mais longínquo do galpão percebo uma grande aranha preta caminhar pela estrutura do telhado. Não vejo seu corpo, apenas uma de suas patas, que alternadamente surge e se oculta na dimensão da viga de madeira.
Elisa Andrade Buzzo
São Paulo,
7/5/2015
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