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Terça-feira,
21/7/2015
Xadrez, poesia de Ana Elisa Ribeiro
Jardel Dias Cavalcanti
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Existem os poetas das alturas. Aqueles para quem a linguagem transcende o tema, embora o tema esteja lá, guardado, subterraneamente, na vida de sua sintaxe. Paul Valéry e Rainer Maria Rilke são os melhores exemplos.
Ana Elisa faz outro tipo de poesia. Ela passa pelo mundo, presa às pequenas torpezas da existência prosaica. É ali que ela transfigura o que seria apenas um drama banal (afinal, a vida é banal) em poesia. Não sem humor, não sem ironia, não sem nos dar de presente a surpresa do insight sobre nossa prosa cotidiana feita de amor, desilusão, prazer, emoção.
A poetisa acaba de lançar o livro "Xadrez" pela editora Scriptum, de Belo Horizonte. São aproximadamente 40 e tantos poemas, divididos em partes que remetem, por seus temas, ao jogo de xadrez. Peças, tabuleiro e jogadas. Lendo o livro não é fácil encontrar diretamente uma conexão entre estes títulos e os poemas, como se ali estivesse um projeto conceitual de poesia. No entanto, como no jogo de xadrez, pequenos agenciamentos da memória, ao longo da leitura e releitura dos poemas do livro, nos faz encontrar aqui e ali algumas possibilidades nessa arte de se estar no jogo, emendando e tecendo caminhos que se cruzam de um lado para o outro.
Há no livro variados interesses. Um deles, o interesse por comentar o exercício da poesia, como no poemas "Dia de caça", "Poesia", "Extrema" - que fala um pouco dessa insana atividade que é a poesia, que, parafraseando a poeta, faz amargar o amor deixando a vida à margem.
Também o corpo, suas partes, sentidos e prazeres, habitam sua poesia, jogando a vida na tra(u)ma de sua incoerência quase ontológica. Poemas como "Os meus cinco", "O dia antes", "Cuidado", são, entre outros, exemplos dessa nossa condição canhestra em relação aos afetos e desejos.
A frustração amorosa também vai se fazendo presente em vários momentos, sendo tratada, ora com uma certa seriedade, ora com uma ironia cortante, ora com um amargo gosto de niilismo. Poemas como "Sem sinal", "Minha incompreensão", "Aqueles ciúmes da Playboy", são dessa vertente.
A questão que fica depois da leitura de "Xadrez" é: essa leveza e ligeireza com que a poetisa trata os temas (mesmo com a dose adequada de ironia) é uma simplicidade ingênua ou é uma jogada de mestre para driblar o discurso sisudo que acredita ser possível resolver a vida (sempre torta, evidentemente), através de alguma crença, ideologia ou psicologia? Deixo para o leitor a questão.
Há também no livro alguns poemas de forte apelo existencial, nos jogando através de deliciosos insights na corrente livre da emoção. É o caso, por exemplo, do poema "O Filho", que diz o seguinte: "Já pensou/ o que é/ sentir/ o meu pulso/ pelo lado/ de dentro?"
Da necessidade vital que é a arte de se criar a vida pela linguagem, de gerar poesia, há o poema "Extrema", que assim fala: "pedi a Deus/ uma meia dúzia/ de palavras/ com que/ brincar/ antes/ de terminar/ sem vida/ e sem/ o que/ dizer".
O erotismo é outro tema que explode aqui e ali no livro "Xadrez", como no poema "Al dente", onde o objeto do desejo sequestra sua amada "feroz, com tudo/ com grude/ fogo alto/ amiúde/ num banho gostoso/ de água fervente".
Da mistura prazerosa entre literatura e sexo, a poetisa consegue gerar seu homem ideal, o que seduz pela linguagem e pela nudez do corpo desejado. É o caso do poema "Um homem e dois livros", do qual reproduzo, a seguir, uma parte: "Um homem onde se pode morar,/ cuidar, lavrar, plantar, colher e amar./ Um homem dentro do qual/ as palavras formam redes confortáveis./ um homem para se ler.// Meu fetiche é ver o homem/ trazendo os dois livros/- de sua autoria -/ embaixo do braço,/ nu em pelo,/ e dizer:/ "Deita aqui/ que vou lê-lo."
Certo desespero, ou niilismo, pode ser encontrado no poema "Oração destemperada", onde se lê, "Mas é tudo/ deste destempero/ tão próspero.// Eu bem queria ser forte,/ mas é tudo meio morte e/ meio sorte."
O livro "Xadrez", de Ana Elisa Ribeiro, consegue, em suma, fazer das fraturas do Ser o elemento principal do seu fazer poético, criando através de versos ora leves, ora cortantes, pensados como cada jogada de xadrez deve ser, fruto da memória que antecipa o movimento que virá, mas sempre sem saber se as coisas da alma e do corpo serão, no movimento seguinte, vítimas de uma navalhada na carne.
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
21/7/2015
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