COLUNAS
Terça-feira,
4/8/2015
O testemunho de Bernanos
Celso A. Uequed Pitol
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"Os Grandes Cemitérios sob a Lua" talvez seja o mais conhecido livro de combate do romancista francês Georges Bernanos, autor de "Sob o Sol de Satã" e "Diário de um pároco de aldeia". Escrito no período em que residiu na Espanha, durante a tristemente famosa Guerra Civil daquele país, é dirigido aos seus compatriotas como um alerta sobre o estado de coisas que ali presenciou.
Seria, contudo, erro grave reduzir o livro a um relato jornalístico da guerra civil espanhola. Surge então a dificuldade em classificá-lo. Se não é um relato de guerra, o que é? Um panfleto político? Um caderno de notas? Uma confissão? Segundo seu próprio autor, trata-se de um testemunho. E um testemunho visceral, visando o combate, animado pelo momento da guerra, onde forças nacionalistas (lideradas por Francisco Franco e apoiadas pela Itália fascista e pela Alemanha nazista) e as republicanas (apoiadas pelos soviéticos) encenaram muito do que aconteceria na Europa nos anos seguintes.
Ali, nos campos secos de Castilla, onde jazem milhares de corpos à sombra das ruínas, Bernanos busca respostas para mil dúvidas sobre o futuro da França, sobre a degeneração da política europeia, sobre a cristandade e sobre ele próprio. Quanto à Guerra Civil, em grande parte do livro sequer é mencionada. Quando isso ocorre, Bernanos não escolhe lado e fustiga republicanos e falangistas com igual vigor. No entanto, católico como era, mostra-se particularmente horrorizado com as brutalidades cometidas pelo bando nacionalista apoiado pela Igreja, a sua Igreja, cujos sacerdotes ele vê ao lado de militares corrompidos, abençoando execuções criminosas. E antevê aí o que Mussolini e Hitler planejam para os anos seguintes.
Bernanos pagou caro pela coragem. A direita, que via nele seu representante, rejeitou o livro com violência; chamou-o de traidor, vendido, perturbado. A esquerda, que nunca gostou dele, saudou-o pelas críticas a Franco e aos falangistas. Como é como em situações desse tipo, os dois lados estavam errados. Como bem viu Albert Camus, admirador e leitor exemplar de sua obra, Bernanos era homem para ser entendido e apreciado por inteiro, sem tentativas de enquadrá-lo em agrupamentos de qualquer gênero. Da mesma forma, aliás, que este grande livro.
* * * *
"É verdade que a cólera dos imbecis inunda o mundo todo. Podem rir, se quiserem, ela não poupará ninguém, nada, ninguém, é incapaz de perdoar. Evidentemente, os doutrinários de direita ou de esquerda, cujo ofício é esse, continuarão a classificar os imbecis, enumerarão suas espécies e gêneros, definirão cada grupo segundo as paixões e os interesses dos indivíduos que o compõem, sua ideologia particular".
"Nós não éramos de direita! O círculo de estudos sociais que fundamos tinha o nome de círculo Proudhon, exibia esse patronato escandaloso. Fazíamos votos para o sindicalismo nascente. Preferíamos correr os riscos de uma revolução operária a comprometer a monarquia com uma classe que permaneceu, depois de um século, estranha à tradição de seus avós, ao sentido profundo de nossa história, e cujos egoísmo, estupidez e cupidez conseguiram estabelecer uma espécie de servidão mais inumana do que aquela abolida por nossos reis."
"Compreendíamos muito bem que um jovem Príncipe moderno trataria mais facilmente com os chefes do proletariado, mesmo que extremistas, do que com as Sociedades Anônimas e com os Bancos.(.) Na Santé, onde permanecíamos, dividíamos fraternalmente nossas provisões com os operários de pavimentação, cantávamos juntos, alternando: Vive Henri IV ou a Internacional."
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
4/8/2015
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