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COLUNAS
Terça-feira,
15/12/2015
Estudo de uma tensão
Celso A. Uequed Pitol
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O filósofo romeno Constantin Noica dizia que a filosofia só era possível na cidade, espaço do convívio com as pessoas nas ruas, no mercado, no vai-e-vem da experiência humana. Será difícil discordar deste ponto de vista. O problema é que a cidade, que cria as condições para o filósofo existir, não costuma simpatizar muito com ele. A gloriosa Atenas da Antiguidade, que gerou um Sócrates, foi a mesma que acabou por matá-lo, dando início a uma tensão que permanecerá no interior da cultura ocidental: o filósofo precisa viver na cidade; mas a cidade, desde Sócrates, condena os filósofos à morte. E a história demonstrará que o perigo para o homem de pensamento está não apenas na cidade, mas em toda e qualquer comunidade.
É desta tensão, de suas consequências e da maneira como os filósofos a enfrentaram que emerge o tema para os ensaios de "Perseguição e a Arte de Escrever", de Leo Strauss. E emerge como tentativa de resposta a uma pergunta: como um homem que ama a verdade pode comunicar o que sabe num ambiente hostil?
No primeiro dos quatro ensaios que compõem esta obra, publicada originalmente em 1952, Strauss elabora as primeiras linhas para esta resposta. Ao filósofo que vive neste ambiente não é dada a chance de escrever de maneira ingênua e tranquila: deve se tornar, segundo Strauss, "um mestre da arte de revelar sem revelar e da arte de não revelar revelando" (p.62); deve desenvolver
"uma técnica peculiar, e, com ela, também a um tipo de literatura peculiar, na qual a verdade sobre todas as coisas cruciais é apresentada exclusivamente nas entrelinhas. Essa literatura não é destinada a todos os leitores, mas somente aos leitores confiáveis e inteligentes. Ela possui todas as desvantagens da comunicação privada sem padecer, porém, de sua grande desvantagem, isto é, do fato de só alcançar os conhecidos do autor. Ela possui também todas as desvantagens da comunicação pública subtraídas de sua grande desvantagem: a pena de morte ao autor" (p.36).
O texto deste filósofo perseguido terá , obrigatoriamente, duas camadas: uma exotérica, destinada ao público em geral, que funciona como uma espécie de armadura para o autor; e uma esotérica, acessível apenas a um grupo especial de leitores, que possuem as chaves para abrir e conhecer o interior da armadura.
Esta armadura será forjada por vários tipos de subterfúgios discursivos: interpolações, omissões, erros propositais, repetições cuidadosamente calculadas. Os três ensaios seguintes, dedicados a Maimônides, Judah Halevi e Baruch de Spinoza, partem desse pressuposto de interpretação e aplicam-no às obras de cada um deles, revelando que todos , mesmo vivendo em contextos distintos e por razões distintas, fizeram a mesma coisa. E não só eles: segundo Strauss, esta atitude é a constante no mundo antigo, islâmico e judaico, perdendo força apenas no século XIX, quando o nosso mundo - o mundo do liberalismo e do Iluminismo, onde pratica-se a livre-discussão e o livre debate - começa a dar seus primeiros passos.
Podemos discutir se a tensão entre o filósofo e a comunidade teve fim ou não, ou apenas mudou de forma: esta será apenas uma das discussões que os ensaios de "Perseguição e a Arte de Escrever" suscitarão no leitor. E, como se sabe, suscitar discussões e abrir frentes é o principal desiderato de um ensaísta.
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
15/12/2015
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