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COLUNAS
Quarta-feira,
10/2/2016
Proibir ou não proibir?
Cassionei Niches Petry
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Há livros cuja leitura deve ser proibida? Devemos proibir as crianças de lerem Monteiro Lobato devido a algumas passagens consideradas racistas em suas histórias? Devemos tirar das prateleiras das bibliotecas escolares exemplares que contenham palavrão? Devemos proibir a edição de obras como Minha luta (Mein Kampf), de Adolf Hitler? Devemos queimar livros, como o fez o próprio Führer?
Lembro que escritores como Moacyr Scliar e Caio Fernando Abreu deram depoimentos sobre um autor cuja leitura lhes era proibida pelos pais: Érico Veríssimo. No entanto, era um convite para lerem às escondidas aquelas romances que continham sexo, apesar de serem cenas bem discretas, porém com enorme carga erótica, pelo menos para os padrões dos anos 40 e 50. Acontece que tudo que é proibido parece que é mais gostoso, a censura dá um ar de mistério a tudo. Quantos livros não foram lidos na clandestinidade durante a ditadura militar?
A discussão do momento no meio editorial é a chegada da obra de Hitler a domínio público. Depois de 70 anos da morte do autor, os direitos autorais da obra (que pertenciam ao estado da Baviera, na Alemanha) expiram, ficando livres novas edições e traduções do famigerado livro. Acontece que Minha luta é uma espécie de Bíblia nazista, em que as atrocidades de Hitler estão, digamos assim, justificadas. O medo é de que suas ideias cheguem a mais pessoas e o antissemitismo ressurja com mais força.
Entretanto, acredito que proibir sua publicação e divulgação, como acontece na Alemanha, é, em primeiro lugar, inútil. Nesses tempos de internet, a obra já é totalmente difundida em arquivos digitalizados. O mal circula livremente na rede e pessoas mal intencionadas irão ler de qualquer forma o livro e inclusive propagarão suas ideias, influenciando outras a segui-las, o que já acontece há anos através do ativismo dos neonazistas.
A possibilidade de publicação através de um editor permite uma edição comentada, com todos os senões que o texto merece, alertando o leitor sobre o conteúdo, invertendo, portanto, suas reais intenções. Pensem num livro como a Bíblia Sagrada dos cristãos, por exemplo. Se não houvesse uma contextualização ou uma mediação por parte de um estudioso do seu texto, as pessoas continuariam matando em nome da fé cristã, continuariam mantendo escravos e a mulher seria ainda submissa ao homem (claro que há cristãos que seguem ao pé da letra as escrituras, mas aí é outra discussão).
Não devemos fazer o que o próprio líder nazista fez: queimar livros. Podemos simplesmente não os ler, criticá-los, não aconselhar sua leitura. Isso vale para qualquer obra, sejam livros, filmes, peças de teatro, programas de televisão. Proibir Minha luta é deixar que o mal se multiplique às escondidas. Quando ele vier à tona, aí pode ser tarde demais.
Cassionei Niches Petry
Santa Cruz do Sul,
10/2/2016
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