COLUNAS
Terça-feira,
14/6/2016
Sarkozy e o privilégio de ser francês
Celso A. Uequed Pitol
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O ex-presidente da França, Nicolas Sarkozy, é um admirador confesso de Charles de Gaulle. Em seus discursos, costuma incorporar muito da antiga retórica conservadora, nacionalista e unitária do velho general – com o cuidado, é claro, de jamais resvalar para a xenofobia básica da Frente Nacional. Sarkozy não é disso.
Foi o que se viu em um discurso recente, dado em Paris. “A França”, disse ele, “é um país cristão na cultura”. Diante das implicações problemáticas desta frase para os milhões de muçulmanos franceses, emendou: “É um país aberto, acolhedor, tolerante. Um país que deve respeitar aqueles que querem viver nele”. Ah, bom.
Sarkozy toma outros cuidados. Não quer definir o nacionalismo francês de forma essencialista, estanque: “A França é um corpo, um espírito, uma alma”, diz ele. Qualquer um pode incorporar este espírito francês; basta querer. Afinal, é um país “aberto, acolhedor, tolerante”. Os franceses, entende Sarkozy, são diferentes por isso, e por muito mais. Tomemos cuidado para não confundir as coisas
Sarkozy é cuidadoso, mas não é bobo. Defende a França acolhedora e aberta, mas exige contrapartida: exige respeito. E lamenta porque não o vê na prática: “Em uma sociedade multicultural, todos têm o direito de cultivar a sua diferença. Todos, exceto a maioria: todos salvo o povo francês”.
É uma situação complicada. Sarkozy e muitos de seus apoiadores entendem que há gente por aí a abusar do acolhimento e da abertura dos franceses, dando excessiva ênfase às suas diferenças em relação ao todo nacional. A República francesa, que o De Gaulle, inspirador de Sarkozy, ajudou a construir, não pode tolerar quem não quer tolerar os elementos que fazem dela um “país cristão na cultura”. Há um limite. Sarkozy sabe disso, e seus eleitores sabem disso. E, por isso, ele alerta para uma “tirania das minorias que fazem cada dia mais recuar a República”.
O termo “minorias” tem significado muito amplo. Pode envolver desde as minorias étnicas – são as primeiras que lembramos, ao ler seu discurso – até as tribos urbanas, as comunidades religiosas e de orientação sexual. Pouco importa: são aqueles que, de uma forma ou de outra, ameaçam a grande comunidade francesa, o povo francês, a República; são aqueles que impedem a França de continuar a ser um país “país cristão na cultura”.
A conclusão é clara: ser francês não é para qualquer um. É preciso cumprir certos requisitos. Quais? Não sabemos, e Sarkozy não nos informa. Mas ele e seu público parecem saber quais são. Por isso, concluiu sua fala, sob aplausos, lembrando a todos os presentes: “Eu sou francês, vocês são franceses, nós somos franceses. Isto é um privilégio!”. E Sarkozy parece disposto a lutar para que continue a ser um privilégio. Até onde irá?
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
14/6/2016
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