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Sexta-feira,
12/8/2016
Na hora do batismo
Marta Barcellos
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Tenho 214.262 xarás no Brasil. A maioria, nascida entre 1960 e 1970. É curiosa a percepção que temos do próprio nome. Achava que éramos uma pequena quantidade, eternamente confundida com as Márcias. Elas, sim, representariam um batalhão: precisavam ser chamadas pelo sobrenome em sala de aula. Ok, não eram tantas assim, mas minha sensação tinha lá suas razões: das 551.855 Márcias brasileiras, 204 mil nasceram justamente nos anos 1970, e principalmente no Rio de Janeiro. E quanto aos Marcelos? Também foram um fenômeno da mesma época e do mesmo estado (no país, somam hoje 690.098), daí terem também nome e sobrenome, para diferenciar, na minha lembrança escolar.
Minha filha adolescente não tem nenhum amigo Marcelo, Marta ou Márcia, para ficarmos apenas na letra M. Ora, as Márcias que perambulam por aí não são jovens, e sim quarentonas ou cinquentonas. Em compensação, certa vez ela fez uma colônia de férias em que havia oito Júlias. Não resisto, e retorno ao site que me viciou: a frequência de Júlias passou de 20 mil, nos anos 1980, para 264 mil, nos anos 2000. Ao todo, elas já são 430.067 no país, e parecem estar em vertiginosa ascensão, a julgar pelo gráfico apresentado instantaneamente pelo IBGE na página “Nomes no Brasil”.
O banco de dados disponibilizado pelo órgão governamental é inesgotável. A primeira consulta, quase automática, é ao próprio nome. Mas depois começa o vício. Nomes de conhecidos, nomes que parecem raros ou comuns (e não é bem assim), até que você se flagra confirmando que o nome esquisito de sua tia-avó era uma modinha da época. Sabe-se lá o motivo. O boom de Martas, aparentemente, tem relação com concursos de miss, enquanto as Simones hoje balzaquianas foram impulsionadas pela personagem da novela “Selva de pedra”. Mas, por que será que tantas Alziras nasceram em 1930?
Se você é um ficcionista, o vício de consultar o “Nomes no Brasil” pode ir além. O nome daquele personagem é banal ou esdrúxulo demais? Está adequado à idade? É nesta fase da adição que me encontro...
Escritores, porém, muitas vezes, batizam seus personagens buscando simbolismos, menos ou mais evidentes. Homenagens a personagens clássicos são comuns, sem falar em anagramas (a primeira “brasileira”, Iracema=América), nomes inexistentes ou pra lá de enigmáticos. O batismo da personagem mais famosa da escritora mais estudada no Brasil, por exemplo, permanece como mistério. De onde Clarice teria tirado as sílabas que formam o fonema hoje tão adequado à Macabéa, de A hora da estrela? Há hipóteses sobre uma referência aos macabeus, sem grandes embasamentos além da fonética semelhante.
Um escritor deve manter a “inspiração” deste batismo oculta, como fez Clarice? Em geral, eles gostam de ser descobertos, em suas referências, pelos críticos. Trata-se da famosa piscadela, do autor para o crítico literário. Eu mesma adorei quando a escritora Cláudia Nina, que resenhou meu livro “Antes que seque” para o jornal Rascunho, percebeu que o nome de Norma, do conto “Depois do Natal”, não era nada gratuito. Se já houvesse o site do IBGE quando escrevi, teria confirmado que o nome era também adequado a uma mulher de meia idade. E teria me certificado da inexistência do nome que inventei para a personagem de “À moda antiga”, Myrea (anagrama de Yerma, peça de Federico Garcia Lorca). Não resisti à piscadela - que obviamente ninguém entendeu.
Marta Barcellos
Rio de Janeiro,
12/8/2016
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