COLUNAS
Terça-feira,
18/10/2016
Meu pé quebrado
Luís Fernando Amâncio
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Tive uma fratura em meu pé esquerdo há pouco mais de um mês. Foi durante uma aula de muay thai. Entre muitos chutes, recebidos e dados, a fratura aconteceu e eu nem me dei conta. Só senti, depois da aula, a dor que me acompanharia até imobilizar o pé, três dias depois. Porém, se a fratura se deu numa imperceptível fração de segundo, o processo de recuperação é de uma lentidão colossal. Ao menos para quem não estava contando com isso. E, vamos deixar claro, minha previsão para setembro e outubro não incluía ficar com o pé imobilizado.
Pelo contrário. Minha programação para esta temporada incluía férias, com viagem para Fortaleza e Jericoacoara. Praia, muita praia (eu sou mineiro, não me julguem), água de coco, jogo no Castelão, Beach Park e “turistar” sem maiores dilemas pelo Ceará. Tive que cancelar a viagem.
Foi frustrante, amigos, não vou mentir. Trocar férias por licença médica, praia por andar de muletas com o pé latejando de dor, é o equivalente a substituir paçoca por areia numa receita de doce. Mesmo se a Bela Gil disser que é uma boa, eu não indico.
Enfim, passada a revolta, resolvi fazer limonada com os limões da imobilização. Com o período forçado no estaleiro, tentei tirar algumas lições para minha vida. A primeira, natural, foi querer largar a academia. Concluí que era um sinal e eu deveria deixar as lutas para os colossos do UFC, os supinos e roscas diretas para os jovens marombeiros e assumir que estou velho. Bom, eu estou velho, não é segredo. Mas aí pensei um pouco melhor e concluí que o sedentarismo provavelmente me traria outros e mais graves estaleiros. Eu escaparia das lesões, mas seria pego por cirurgias no coração, desentupimento nas artérias, essas coisas. Prefiro não.
Tentei, então, aproveitar o período para me capacitar. Mas tinha que ser algo prático, que me ajudasse no dia a dia. Então, tentei aprender telecinesia. Acreditem, quando a sede aperta e seu pé dói com obstinação, tudo que a gente quer é trazer um copo d’água com a força da mente. Também tentei levitar. Pois quando a bexiga aperta, mesmo com o auxílio das muletas, o banheiro parece longe demais. O problema é que, quanto mais eu tentava expandir minhas capacidades mentais, mais longe o banheiro e o copo d’água ficavam. A conclusão foi triste: não nasci para ser médium.
Passei, então, para outro projeto: utilizar minha capacidade mental para fins mais conservadores. Fiz, então, planos de colocar em dia as séries que assisto, me atualizar em relação aos novos lançamentos, ler as obras que já vão formando uma pequena torre no meu criado mudo e escrever algumas bobagens, que é só o que eu dou conta. Objetivo alcançado? Bom, parcialmente. Bem parcialmente. Foi quando eu percebi que 45 dias de reclusão nem é tanto tempo assim. Os dias continuam com 24 horas, fazer almoço pulando feito saci na cozinha dá trabalho e depois do almoço bate aquele sono... Justiça seja feita, fracassei nesse objetivo também.
Enfim, agora, com meu pé prestes a se curar – bom, ainda vou encarar algumas sessões de fisioterapia, mas sejamos otimistas – me pergunto: tive algum ganho com o pé quebrado? Uma análise sensata diria, humildemente, “NÃO”, em caixa-alta, mesmo. Tive perdas, de massa, inclusive, pois minha perna esquerda ficou mais fina do que a direita – como se já não bastasse toda minha avacalhação física.
Mas, olhando pelo lado positivo, acho que tirei algumas lições do período de reclusão. A principal delas é saber que quando a gente corre para pegar o ônibus, não chega no ponto a tempo e amaldiçoa o mundo por isso, estamos sendo injustos. Pois até correr e perder o ônibus é melhor do que ficar capengando em casa de muletas, sem conseguir uma coisa básica para a dignidade humana que é aprender a fazer uma levitação.
Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte,
18/10/2016
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