COLUNAS
Quinta-feira,
28/2/2002
Trocando os presentes do Natal passado
Sol Moras
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- Menina, você viu a cara do Xororó na revista?
- O que aconteceu com aquele homem? Roubou o botox do César Maia?
- Ficou lisinho, que nem uma foca adestrada.
- É... E os presentes? Gostou de algum?
- Cada tralha... Sério, só de 1,99 eu recebi vários. Minha madrinha me deu um baralho, acredita?
- Você reclama, mas não sabe o que é estar no mesmo lugar que a minha sogra, a Creuza. Toda Tribobó apareceu nesse Natal, todos os evangélicos...
- Evangélico não relaxa, né?
- Não relaxam e não deixam ninguém relaxar, é uma patrulha danada... O primo Aderbal colocou uma cidra Cereser na boca e o filho da Creuza nem esperou: "Aí Aderbal, enchendo a cara, hein? Vovó já sabe?"
- Amiga, não liga pra isso não, o importante é o que você tem aqui dentro.
- Aqui dentro aonde?
- Aqui, dentro do seu coração.
- Querida, acho que cê tá é vendo muita novela do SBT...
- Ah tá, e alguém consegue ficar sem televisão?
- Mas SBT?
- Você não acha o Sílvio Santos um gênio? A Patrícia Coelho disse que acha. Ah, e a Mari Alexandre chegou a chorar na presença dele, vê só...
- Olha, eu prefiro ver a Missa do Galo do que assistir aquele mascate eletrônico de quinta categoria, viu?
- Inveja...
- ...
- ...
- ... e o disco do Rei?
- Muito bom, que romantismo, linda a capa também! Se bem que o Jassa podia mexer naqueles cabelos...
- Deve dar um trabalho danado aquilo lá...
- Ah, mas quem pode, pode.
- "Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui..."
- Eu também, eu também!!
- Bom bater esse dedo de prosa, mas tenho que ir trocar os presentes no shopping.
- Boa sorte, e boas entradas.
- Procê também.
Rosa da Vitória
Originários da Islândia, país com uma tradição oral e intelectual ancestral, mas que declarou sua independência da Dinamarca há apenas 57 anos, o quarteto Sigur Rós ("Rosa da Vitória") criou uma aura e uma mitologia que redefiniram o modo da criação e da assimilação dos sentimentos através da experiência sonora. Liderados por um jovem homossexual com apenas um dos olhos em funcionamento, "Se eu visse em estéreo eu veria muito, e enlouqueceria", e que maneja sua guitarra com um arco de violino envolto em constante reverb, essa banda protagoniza, ao lado de gente inovadora como Godspeed You Black Emperor!, Low, Mogwai e Radiohead, a mais instigante reunião de talentos desde o advento Creation e de suas crias My Bloody Valentine, Slowdive, Telescopes e afins. Introvertido ao extremo, Jonsi Thór Birgisson diz que "a música foi minha única companhia até os 17 anos", até se interessar por "rapazes bonitos, com uma pele suave como um tomate". Seus vídeos trazem sempre uma melancolia etérea, com uma intenção de libertação que remete à condição de seu sensível vocalista, inventor de um dialeto próprio, o Hopelandish. Exagerado ou não, o semanário inglês New Musical Express classificou sua música como "lágrimas de Deus no paraíso", mas a própria visão in loco que tivemos no último Free Jazz poderia atestar a sanidade de quem escreveu isso. Alcançando uma intensidade ímpar, o grupo suscita um culto que quase resvala em religiosidade, mas, que no fim, apenas nos lembra da beleza que todos somos capazes de produzir, e acabamos não produzindo por medo ou ignorância.
Copa 2002
- Putz, esse jogo foi maneiríssimo!
- Se lembra?
- Caramba, o Dirceu jogou essa partida?
- O Paulo Isidoro entrou no lugar dele no segundo tempo.
- Nunca entendi bem o por quê do Dirceu na seleção...
- O cara corria paca, era um Zagallinho.
- O Luciano do Valle era da Globo?
- Tu não tá ouvindo? Era, e o Márcio Guedes que comentava.
- Putz, Waldir Perez no gol, nada confiável.
- Porra, e o goleiro dos caras era o Dasayev, russo largo paca.
- Dasayev!! Baltacha!! Gavrilov!!
- Eh, eh, podicrê...
- Tá entendendo como os shorts eram apertados naquela época?
- Ainda mais agora que apareceu a buzanfa do Chulapa.
- Bizarro.
- O centroavante devia ser o Reinaldo do Atlético Mineiro.
- Tava machucado.
- O Dinamite então.
- Na, na, vascaíno dá azar na seleção. Na Copa de 50 o Vasco era o time base, se lembra?
- Claro que não, Zé Mané...
- O Leandro jogava bonito.
- Flamengo.
- Caraca, o jogo lá na Espanha e na arquibancada uma faixa da Raça Rubro Negra, torcida sinistra do caramba.
- E essa Copa agora. Temo alguma chance?
- Difícil, mas o pior vão ser os horários. A estréia vai ser às 6 da manhã brother, todo o esquema de se reunir e beber foi pra cucuia.
- Ah, que que é isso rapá! Nego sempre arruma um jeito de enchê a lata e faltá o trabalho.
- Brasil!!
- Brasilsilsilsil!!
- Golaço do Sócrates.
- Craque.
- Flamengo.
- Olha, forma um ataque com o Romário, Rivaldo e Denílson. Coloca o Júlio César no gol....
- Flamengo.
- Tá, tá, tá, e arma uma zaga decente, sem o Cris.
- Tem chance, também acho.
- Pega essa! Dasayev!
- Golaço do Éder.
- Flamengo.
- Cala a boca, urubu!
Miles Davis branco
Indicação de um colega da Internet, "Chet Baker, memórias perdidas" é um esparso diário que rememora as viagens químicas, musicais e sexuais do, segundo o tradutor, Miles Davis branco. Conhecido também pela pungência doída de sua voz, Baker fala de sua experiência com as drogas de maneira casual: "Andy foi a primeira pessoa a me apresentar a maconha, abençoado seja. Gostei e continuei a fumar durante 8 anos, até começar a me picar e, finalmente, me viciar. Gostava muito de heroína, e usei-a quase continuamente, de um jeito ou de outro, durante os vinte anos seguintes". Mesmo chapado, o trompetista dava conta do recado: "Conheci Charlene, e era uma coisa. Ela adorava ser comida e eu adorava comê-la. Uma vez trepamos 9 vezes em 3 horas". Cobrindo o período entre 1946 e 1963, esse depoimento despojado não romantiza e nem sataniza os efeitos das drogas, pesadíssimas, que fizeram parte de sua rotina por toda a vida. Suicidou-se em 1988 aos 58 anos, com a aparência de um Matusalém Maracujá. Triste e breve, doce e amargo.
Para ir além
http://sol_moras.blogspot.com/
Sol Moras
Rio de Janeiro,
28/2/2002
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