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COLUNAS
Quinta-feira,
2/2/2017
Vocês, que não os verei mais
Elisa Andrade Buzzo
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Uma noite você se lembrará de uma sensação, de um fato, talvez até de uma pessoa a eles relacionada. E assim, num jorro veloz de pensamentos, irá demorar alguns segundos para reunir as pontas conhecidas do décor de uma história. O local exato dos acontecimentos não fará mais importância, apenas a sensação evocada pelas lembranças. E as paisagens exteriores, os cenários interiores, serão todos alçados gradativamente, como um livro que se abre subindo em maravilhosas dobraduras, como paredes cenográficas que teimam em se grudar com a realidade.
Você se recordará até mesmo da lembrança da recordação, sugestões insinuantes, souvernirs, reminiscências guardadas em alguma caixa de papelão decorada. Há postais coloridos, em seu verso algo com bonita e pensada caligrafia. São imagens de locais que você nunca imaginou estar, mas que um dia lá esteve, como se tivesse entrado numa foto antiga e feito parte dela, atuando perigosamente num mundo que não fora o seu. Isso porque você forçou a entrada em uma outra dimensão, tão diversa da sua realidade. E agora, nada mais justo do que ter sido expulso do paraíso, e tudo estar longe, muito longe, em dessincronia, quase sem nunca um dia haver acontecido, dentro de espaços tão obscuros; são caminhos da perda e de infortúnio do despertencimento.
Nesses lugares perdidos há peixe, mãos e carpete quentes, prédios baixos avarandados em avenidas calmas, retilíneas, com fileiras de plátanos de caule descascado e folhas de tom esmaecido e formas recortadas. Ao longe, quem sabe onde a Terra se delimita de outros espaços, uma cadeia montanhosa se ergue com seus picos nevados. Esse ambiente antigo, refinado, só poderia estar no passado, mas ainda hoje você sabe que ele é como essa imagem esmorecida, um inverno amarronzado, galerias muito antigas com perfumes e objetos sempre num descompasso temporal com o primeiro mundo, lojas com roupas antiquadas expostas e abertas como se fantasmas a vestissem, nas vitrines de iluminação amarelecida.
E, com o susto, mas com a devida calma das almas pelo tempo serenadas, entorna para dentro toda aquela água negra e estrondosa, que deve ser represada, para então acordar sabendo que algo é iminente, prosseguindo na construção de outros embaraços. Tudo isso talvez porque hoje te chamaram por sua bebida no Starbucks, com um nome que na verdade não é o seu, mas de outro, dessa recordação macabra que me estende os dedos com um veneno.
Elisa Andrade Buzzo
São Paulo,
2/2/2017
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