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Sexta-feira,
26/5/2017
O dia que nada prometia
Luís Fernando Amâncio
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Tem dias que não prometem absolutamente nada. Eles costumam ser os melhores. Você acorda pela manhã e sabe, exatamente, o que vai acontecer. É melhor assim, sem surpresas. Fica muito mais fácil aproveitar a vida sabendo o roteiro prévio.
E não se enganem. A felicidade está nas coisas simples. Eu digo isso, o pessoal não acredita. Ou finge acreditar, o que é pior. Acham que a felicidade é férias nas Bahamas. Oque é bom, também, não vou mentir. Tenho dicas, inclusive, se você estiver indo pra lá. Adoro o Caribe. Mas o que eu quero dizer é que a vida não são só as férias. A minha não é. Então, é isso, temos que nos apegar aos pequenos prazeres.
Aquele dia prometia não ser nada demais e eu estava aproveitando cada minuto dele. Acordei, era um dia frio, eu estava envolto por lençóis e cobertores macios, fragrância de lavanda. Minha esposa estava ao lado, seu corpo quente abraçado ao meu. Eu precisava levantar, ela não. Dei-lhe um beijo, ela me desejou bom dia. Na mesa de café, meus filhos, essas crianças lindas e amorosas, já estavam de banho tomado, uniforme, prontos para irem para a escola. A Luzia é muito responsável, cuida deles com pontualidade britânica.
Despedi dos pequenos e fiquei ali, tomando café e comendo os quitutes que a Dona Maria, nossa cozinheira, faz. Ela é como uma avó para mim, me mima demais. Fiquei lendo jornais, preciso estar bem informado. Leio três todo dia. Minha esposa levantou, mas quando chegou à mesa, eu já tinha que sair.
Fui para o banho. No frio, deixo a água quente jorrar, o banheiro fica inundado de vapor. Gosto assim. Vesti um terno, peguei minha pasta. Era hora de ir para o trabalho. Só então liguei o celular. Preciso de tranquilidade pela manhã.
O motorista perguntou se eu queria passar em algum lugar no caminho. Disse para ir direto. No trabalho, o roteiro era ainda mais conhecido. Ouvir e, principalmente, fingir ouvir cada discurso. Na minha vez, ser enérgico, se necessário, bradar frases de efeito. Sou um orador nato. Nasci pra brilhar no plenário.
E tudo ia bem, vejam como o dia estava agradável. Minha vida era boa e, o que me consola, eu sabia bem disso. Só que aí, no meio do plenário, o maldito do celular ligado, chega a mensagem. A desgraça da mensagem. "Vazou uma gravação com você pedindo propina". E o dia, que estava dentro do previsível, virou do avesso. O mundo veio abaixo.
Hoje, eu tento me apegar aos pequenos prazeres do dia a dia. Por menores que eles sejam, são o que me restam. A cama do presídio não tem lençóis cheirosos como os da minha casa, o colchão é duro, falta a minha esposa, as crianças, os quitutes da Dona Maria... Eu faço o que posso.
Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte,
26/5/2017
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