COLUNAS
Quinta-feira,
8/6/2017
A pós-modernidade de Michel Maffesoli
Guilherme Carvalhal
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A formulação do conceito de modernidade foi uma construção histórica que envolveu da era do ser humano socializado em tribos até o surgimento dos estados nacionais atuais. O modelo tribal foi marcado pela criação de laços entre seus componentes de proximidade, de espontaneidade; conviviam por se enxergarem uns nos outros como iguais.
A formação dos grandes impérios — Egito, Assíria, Roma — até os estados nacionais marcou a criação de laços de convivência que mudaram de forma. O império ou o reino constitui-se como domínios do regente e como uma instituição superior aos homens, e à qual eles se associavam. Surge a figura do súdito e, mais recentemente, a do cidadão com o apogeu das democracias. A formação das sociedades ganha contornos mais burocráticos. Os indivíduos coexistem pelo senso de pertencimento a uma mesma instituição, pelo seu distanciamento dos demais — foi o caso do romano contra os de fora, os bárbaros — e pela mútua dependência, como no modelo econômico atual, da divisão do trabalho.
Pensar nas sociedade modernas significa compreender o ser humano nessas instâncias, pertencente a países, postos como cidadãos de suas nações, inseridos em um contexto de economia de mercado em que a mútua dependência gera a formação de laços, mais do que o fato de se enxergam um igual, e com o individualismo e a liberdade como grandes parâmetros de como essa sociedade deve funcionar, inclusive em suas instâncias jurídicas.
O conceito de pós-modernidade ganhou força nas últimas décadas, apontando mudanças na cultura e nas maneiras de socialização que romperiam com esse modelo de existência. Inúmeros autores, entre eles o aclamado Zygmunt Bauman (que preferia o termo sociedade líquida do que pós-modernidade), começaram a analisar que as sociedades contemporâneas — e poderíamos colocar o princípio como a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, apesar de não haver um consenso quanto a datas — tendem a uma maior frouxidão de suas normas, com maior liberdade e maior insegurança, e os valores e as instituições que sempre nortearam a vida humana, como igreja e família, perdem espaço para outras, como a cultura de massa.
As formas de analisar a pós-modernidade são muito vastas e ganharam muitos contornos. Uma visão mais específica que se pretende abordar nesse texto é a do sociólogo francês Michel Maffesoli, um pensador original que tem uma das abordagens mais singulares desse período.
Normalmente as análises sobre pós-modernidades são acompanhadas por forte sentimento negativo. A perda dos valores tradicionais e a formação de uma cultura globalizada, sobrepondo a tradicional, com menor apego à cidadania e o crescimento de problemas sociais como o consumo de drogas e a violência, sempre se configuram como problemático e acompanhado do sentimento de “antigamente era melhor”. Já a abordagem de Maffesoli tem um viés diferente, menos trágico.
Para esse autor, essa era pós-moderna é marcada pelo que ele denomina de “tribalismo”, em que as relações são formadas mais por um forte senso emotivo e menos pelas relações frias formadas pela sociedade industrial. Assim, o comportamento moderno cada vez mais tangeria para um modelo tribal, em que as pequenas aglomerações ganham força, superando o conceito de nação ou de povo. Então, ao rompimento dos antigos modelos sociais sucede um novo, em que as pequenas relações são construídas, e em que o laço afetivo é mais forte.
Na formação das nações modernas, há fortemente o movimento do centro reduzir as disparidades internas. Peguemos um exemplo, o de imigrantes brasileiros, em que as ações sempre foram de reduzir seus laços com as nações de origem e abrasileirá-los, como no caso de levá-los ao uso do idioma português. Dessa forma, as diferentes formas de coexistência seriam centrifugadas por essa noção maior de nação.
Além disso, a industrialização viria acompanhada por um sentimento de desencantamento do mundo. A razão instrumental que modela o comportamento e a relação do indivíduo com seu entorno tornariam essa percepção fria e reduziria a capacidade de se enxergar no outro, de criar uma relação realmente próxima. Em termos mais alegóricos, é como se a própria pessoa se tornasse mecânica.
A perda desse sentimento de pertencimento a essa grande instituição produz mudanças na solidariedade entre as pessoas. Esse modelo de interdependência das partes volta ao modelo primitivo, em que os componentes se reúnem por reconhecerem um no outro um igual. O ritmo da vida moderna então anda para trás, se assemelhando ao modelo dos homens primitivos. E esse senso de proximidade com o outro é retomado.
As implicações desse modelo, obviamente, se dão na política. O pensamento acerca da pós-modernidade já costuma estabelecer alguns pontos, como a incapacidade da política em apresentar soluções e mudanças na sociedade, o que se associa ao desinteresse da população por ela. Com relação a esse contexto, Maffesoli aponta para novas formas de tomadas de decisão, com esses nichos de socialização ganhando força em relação à política tradicional.
Sua forma de pensar é inovadora e muitas vezes controversa. Os questionamento que passam por quem estuda sua forma de enxergar a sociologia facilmente levam à contestação. Esse é outro de seus méritos, o de conseguir pensar fora da caixa e andar contra determinadas correntes tanto no pensamento acadêmico quanto no pensamento do dia a dia.
Guilherme Carvalhal
Itaperuna,
8/6/2017
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