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COLUNAS
Quinta-feira,
10/8/2017
Estevão Azevedo e os homens em seus limites
Guilherme Carvalhal
+ de 3100 Acessos
Pensar a literatura brasileira sempre foi perceber uma produção que se associou aos panoramas da sociedade de sua época. O ímpeto pela construção de um sentimento nacionalista levou a obras ufanistas como O Guarani e Iracema. O prenúncio de uma cidade complexa e repleta de conflitos como o Rio de Janeiro ficou estampado em O Cortiço. O modernismo e sua antropofagia igualmente mostravam uma busca por um modelo artístico nacional, condizente com as características do país, em consonância com os questionamentos artísticas que surgiam pela Europa.
Um movimento literário de grande força e que marcou a literatura nacional foi o chamado regionalismo. Marcado através de nomes como José Lins do Rêgo, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Autran Dourado, e cujas influências se estenderam até autores mais atuais como João Ubaldo Ribeiro, esse movimento primou por mostrar o Brasil pelo seu viés rural, aspecto majoritário dessa época, muitas vezes se referindo a problemas de caráter social do país.
O processo de urbanização do país provocou mudanças na literatura. À medida em que a população das cidades crescia e a realidade nacional migrava da fazenda para os prédios, o foco da literatura também mudou. Tanto que nos tempos atuais, majoritariamente a nossa literatura não é apenas urbana, como também globalizada, com muitas obras apontando personagens que moram no exterior ou até mesmo se passando em outros países (como no caso da série Amores Expressos).
Assim sendo, Tempo de Espalhar Pedras, de Estevão Azevedo, é uma grata surpresa ao resgatar esse estilo que, apesar de representar uma importantíssima parte da nossa literatura, perdeu bastante espaço nos últimos tempos. E some a isso duas outras qualidades. Uma delas é o estilo de prosa do autor, brilhantemente desenvolvida. A outra, por retratar um ambiente bastante presente na nossa história e não retratada pela literatura: o garimpo.
A história se passa em uma vila cuja única sustentação econômica é o garimpo de diamantes. No período abordado, as pedras escassearam e a falta de perspectivas começa a afetar as pessoas. As relações jurídicas carecem de instituições formais e as pendengas são resolvidos pelo coronel, que possui direito de juiz e de vida ou morte sobre as pessoas. O coronel também detém o comércio local, tornando todos os garimpeiros seus dependentes, além de proibir através da força que vendam diamantes a outros compradores que não ele.
É nesse ambiente que um núcleo variado de personagens interage entre si. Homens desesperados atrás de pedras, esposas, filhas e outras mulheres que vivem em torno deles, um modelo de justiça inteiramente baseado no princípio da honra pessoal e toda forma de relação que advém desse tipo de sociedade. O fim de sua sustentação econômico torna essa rede de relações cada vez mais tensa, incitando a desconfiança e a violência.
O marco maior que guia sua narrativa são as restrições que envolvem todos os personagens. Faltam possibilidades de ganho financeiro, e isso leva a contendas violentas, desconfianças e inimizades. Falta o poder público, e isso cria um relativismo de regras que termina sempre na palavra do coronel.
Nesse meio de tantas restrições que Rodrigo tenta provar seu valor para o pai e em que o rezador Silvério conquista corações desafortunados com suas pregações. É o ser humano posto em uma situação um tanto quanto limítrofe, onde há cada vez menos alternativas e o desespero toma conta de todos.
A prosa de Estevão Azevedo remete à oralidade interiorana. Ele reconstrói, com qualidade poética, os modos de falar regionalistas, e nesse aspecto remete bastante a autores do modernismo, como Autran Dourado. Se vemos em muitos prosistas contemporâneos a busca pelo linguajar de periferia e outros modelos de dialetos urbanos, aqui encontramos a valorização de outra expressão calcada na fala, uma que tem se tornado mesmo expressiva nos tempos modernos.
O resgate realizado por Estevão proporcionou uma bela pérola literária para os tempos atuais. Em termos do que o brasileiro lê e do que temos em produção literária, ele foge da onda de autoficções e de literaturas urbanizadas que muitas vezes dão as costas para o Brasil e tentam ser mais estadunidenses e europeias do que brasileiras (sem contar o sonho da tradução). Ele resgata um pedaço precioso de nossa literatura e o faz com um livro rico e bem atual em seus dilemas, colocando o ser humano em seus limites.
Guilherme Carvalhal
Itaperuna,
10/8/2017
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