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COLUNAS
Quinta-feira,
7/12/2017
Bruta manutenção urbana
Elisa Andrade Buzzo
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Os preparativos e os arranjos de madrugada. Assim, tão cedo, pois já não seria mais possível parar as ações de remanejo, pintura e poda urbanos. O povo assistiria bestificado ao ocorrido. Pois acaso a população solicitou tais reparos na configuração urbana, engendrada com minúcia acidental ao longo dos anos – os galhos e as folhas se desenhando no céu, os pichos e os riscos brotando? Como teria sido, por detrás de mesas de repartições públicas, tomada a decisão de pararem bem naquele ponto de junção citadino e resolverem que naquele caos a ordem seria, enfim, temporariamente instaurada?
Mal estamos acordados, e precisamos já tirar a poeira dos olhos e enganar os ouvidos do barulho de ferramentas raspando o metal da passarela de pedestres, da motosserra separando dos troncos os membros por anos desenvoltos. Manhãs, tardes, dias vão se passar com essa algavaria, estes rumores de faxina que resolveram do nada aportar nestas bandas esquecidas.
Há homens com o uniforme sujo de terra ou tinta. Eles repintam as sarjetas em listras, o pincel derramando pingos brancos, que logo serão absorvidos pelo bruto asfalto. Que ar de estranha arrumação, como se à uma criança tivesse sido incumbida tal tarefa. Outros empunham vassouras, enxadas nos bolsões pisoteados, revolvendo a terra que receberá as mudas que aguardam nas mãos de outros homens.
Os caminhões que trazem estes trabalhadores têm o selo pintura anti-pichação e manutenção de áreas verdes. São assim, aparecem vez ou outra, com a passagem dos anos em ações de embelezamento. E agem ao contrário do que seu trabalho deveria pressupor: como um mal necessário, um tsunami que viesse instaurar o capricho e a ordem, mas deixasse rastros de destruição.
Abrimos os olhos de um sonho estranho, e a cidade ainda nos observa, agora o rosto pintado grotescamente à mão. A cidade, um mal nela própria, um estorvo do qual não se escapa. Como é difícil encarar o que fizemos dela e o que julgamos de bem fazer por ela.
Elisa Andrade Buzzo
São Paulo,
7/12/2017
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