COLUNAS
Terça-feira,
13/3/2018
Corot em exposição
Jardel Dias Cavalcanti
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Especial de Paris para o Digestivocultural
Uma bela exposição da obra de Jean-Baptiste Camille Corot é apresentada pelo Musée Marmottan, em Paris, nesse inverno. O impressionante conjunto da obra do pintor poderá ser visto até 08 de julho de 2018.
A trajetória do artista, não apenas em razão de um tema (tal como está organizada a exposição com o titulo O pintor e seus modelos), mas partindo também de uma ordem cronológica, nos permite perceber a formação de um estilo próprio, que parte dos anos de aprendizagem, passando pelas influências que foram mais caras a Corot, até chegar à individualidade máxima que o caracteriza.
Edgar Degas considerava Corot como um grande retratista, mais talentoso nesse gênero de pintura que nas suas paisagens.
Aos retratos clássicos, como os de Ingres, regidos por numerosos códigos de representação, Corot preferia a representação de figuras desindividualizadas, que lhe ofereciam a possibilidade de dar livre curso à sua criatividade e sua imaginação. E é acompanhando a retratística de Corot ao longo dos anos que podemos perceber como sua obra vai ganhando autonomia em relação às influências que lhe eram inicialmente importantes.
Corot, encorajado por seus amigos e pelo seu mestre Jean-Victor Bertin, e à despeito de não ter ganho o Prêmio de Roma (estadia oferecida aos jovens artistas na Villa Médicis), passa um tempo em Roma por conta própria (de 1825-1828), onde utiliza os modelos locais como motivos, em poses pitorescas ou idealizadas. Cenas de mulheres em fontes tornam-se constante, como retratos de músicos anônimos.
A exata representação de um rosto passa a interessá-lo menos do que seu desejo de traduzir nas pinturas suas próprias percepções. Na maioria dos casos, seus retratos são oferecidos à pessoa representada. Talvez essa relação não econômica seja um ingrediente a possibilitar a liberdade e o risco que uma pintura pessoal possa oferecer.
A maioria dos retratos por ele pintados datam dos anos de 1820 a 1840, sendo posteriormente retomados em algumas novas telas em 1852, 1855 e 1857. Nesse intervalo se desenvolverá um conjunto significativo de paisagens e nus.
Nos retratos a busca por uma figuração íntima prevalecerá. Desde retratos faciais (parentes e amigos) à representações de cenas de mulheres no campo ou espaços familiares (em atividades como leituras concentradas ou simplesmente inativas, mantendo uma espécie de melancolia na expressão facial e nos gestos), até figuras idealizadas (como A italiana e A Leitora coroada de flores ou A musa de Virgílio).
Outra representação notável são seus retratos de mulheres em seu atelier, geralmente posando frente ao seu cavalete, portando um instrumento musical ou simplesmente admirando uma tela sobre o cavalete.
Uma dessas telas, "Atelier de Corot", de 1865, é comentada pelo conservador do Departamento de Pinturas do Museu do Louvre, Paul Jamot, com grande entusiasmo: "A blusa vermelho-alaranjada que explode no meio de uma discreta harmonia em cinza e preto é quase um caso único em Corot. Com que refinamento instintivo e com que precisão o pintor orquestrou sua composição, de modo que essa chama de púrpura brilhante e rutilante que ele produziu ao centro responde ao vermelho sufocado da tapeçaria que cobre uma cadeira no primeiro plano."
A tela nos faz pensar no abandono da idealização das figuras. Com sua veste moderna e sendo um quadro que apresenta o próprio atelier do artista, a representação se aproxima do universo de um Degas, Courbet e Manet. Mas para além da representação moderna, a liberdade na composição e nas pinceladas, que em vários espaços da tela apenas sugerem os objetos representados, nos mostra a autonomia do artista enfim afirmada.
Nos vários quadros representando figuras no atelier, o pintor parece estar em meditação sobre seu ofício, ecoando "L' Atelier" de Courbet, exposto em 1855. Corot, no entanto, opta por um formato intimista, não se representando como um pintor em seu ofício. Ele não está presente senão através de sua obra, aquela colocada sobre o cavalete. O atelier é o silencioso lugar da criação, lugar de recolhimento, o mesmo recolhimento necessário à contemplação da obra de arte.
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
13/3/2018
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