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Terça-feira,
21/8/2018
Os olhos de Ingrid Bergman
Renato Alessandro dos Santos
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“Você me despreza?”, pergunta Ugarte (Peter Lorre) a Rick (Humphrey Bogart). “Se ao menos pensasse em você, provavelmente, desprezaria”. Em outro momento, um oficial alemão pergunta a Bogart: “Qual a sua nacionalidade?”. “Eu sou um bêbado”. O mesmo oficial ainda comenta com Rick: “quer dizer que você não simpatiza com a raposa?”
Eles estão em Casablanca, África, no Marrocos francês. Rick é dono do lugar mais badalado da cidade, o Rick's Café Américain. Taciturno, temido, cioso de seu negócio, foi obrigado a fugir de Paris, quando os alemães tomaram a capital francesa logo ao início da II Guerra Mundial. Fugindo de Paris, deixou para trás Ilsa Lund, ninguém menos que Ingrid Bergman, cuja beleza em Casablanca atinge a plenitude. Portanto, ele não tem motivo para simpatizar com a raposa, o III Reich. “Não em particular”, responde ao oficial alemão. “Entendo o ponto-de-vista dos cães também”. Rick tem apenas 37 anos.
E, assim, o filme vai contando a história dessas pessoas ancoradas como ilhas, sem ter como fugir dali, sequiosas de encontrar a liberdade e tomar um avião para Lisboa, numa rota que significa a possibilidade de fugir da Europa e seguir para a América, bem distante da guerra. O único lugar onde todos querem estar à noite é o bar do Rick. É lá que ele reencontrará Ilsa. A cena é clássica. Os dois ainda não se viram. Ela aproxima-se de Sam (Dooley Wilson) e pergunta por Rick. Sam sabe que essa mulher é uma nuvem repleta de raios na vida do patrão e, por isso, pede a ela que vá embora. Ela o ignora. “Toque 'As time goes by', Sam”.
É a música dos dois, Rick & Ilsa, ou Bogart & Bergman, longe do repertório do pianista desde a fuga de Paris. Com a canção timidamente tocada por Sam, a câmera focaliza os olhos de Ilsa, e há uma tristeza profunda ali, como quem não compreende as peças que a vida prega. É um dos momentos mais bonitos da história do cinema. Os olhos de Ingrid Bergman. A canção é triste como esses olhos, e eis que chega Rick, colérico por Sam estar tocando essa música proibida e, então, ele vê Ilsa.
E é só o começo de Casablanca.
Nota do Autor:
Renato Alessandro dos Santos é editor do site
tertuliaonline.com.br, onde este texto, originalmente, foi publicado em 20 de janeiro de 2013. Pretende, ainda este mês, publicar seu mais recente livro: Todos os livros do mundo estão esperando quem os leia (Engenho e Arte). A ilustração deste post é de Helton Souto.
Renato Alessandro dos Santos
Batatais,
21/8/2018
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