Inferno em digestão | Renato Alessandro dos Santos | Digestivo Cultural

busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
>>> Tamanini | São Paulo, meu amor | Galeria Jacques Ardies
>>> Primeiro Palco-Revelando Talentos das Ruas, projeto levará artistas de rua a palco consagrado
>>> É gratuito: “Palco Futuro R&B” celebra os 44 anos do “Dia do Charme” em Madureira
>>> CEU Carrão recebe o Festival Ubuntu nos dias 15, 16 e 17 de Novembro.
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
>>> E-book: Inteligência Artificial nas Artes Cênicas
>>> Publicação aborda como driblar a ansiedade
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Daniel Mazini, country manager da Amazon no Brasil
>>> Samba da benção
>>> O novo GPT-4o
>>> Um olhar sobre Múcio Teixeira
>>> Entrevista com Guilherme Fiuza
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> A Associated Press contra a internet
>>> The Newspaper of the Future
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> 3 Grandes Escritores Maus
Mais Recentes
>>> Coleção Dragon Ball Com 11 Volumes de Akira Toriyama pela Panini
>>> 12 Semanas Para Mudar Uma Vida de Augusto Cury pela Planeta (2007)
>>> Vida Pregressa de Joaquim Nogueira pela Companhia Das Letras (2003)
>>> O Menino Maluquinho de Ziraldo pela Editora Melhoramentos (2008)
>>> Na Margem Do Rio Piedra Eu Sentei E Chorei de Paulo Coelho pela Planeta (2006)
>>> A Gaiola De Ouro de Camila Läckberg pela Arqueiro (2020)
>>> Atlas de Anatomia Humana 2 volumes - 20ª ed. de Johannes Sobotta pela Guanabara Koogan (1993)
>>> Michaelis Dicionário De Sinônimos E Antônimos (Nova Ortografia) de André Guilherme Polito pela Melhoramentos (2009)
>>> A Xamã De Salto Alto de Anna Hunt pela Rocco (2013)
>>> Amor E Vida de Thomas Merton pela Wmf Martins Fontes (2004)
>>> Africa Explicada Aos Meus Filhos de Alberto Da Costa E Silva pela Agir (2008)
>>> Sete Desafios Para Ser Rei de Jan Terlouw pela Ática (2012)
>>> Big Magic: Creative Living Beyond Fear de Elizabeth Gilbert pela Bloomsbury Publishing (2015)
>>> Juca E Chico. História De Dois Meninos Em Sete Travessuras de Wilhelm Busch pela Pulo Do Gato (2012)
>>> Tratado De Enfermagem Medico-Cirurgica - 4 Volumes [Capa comum] [2009] Varios Autores de Vários Autores pela Gen/ Guanabara (2009)
>>> Psicopedagogia Da Linguagem Escrita de Ana Teberoisky pela Vozes (1993)
>>> Pedagogia Da Autonomia de Paulo Freire pela Paz E Terra (1996)
>>> Sociologia e Filosofia de émile Durkheim pela Martin Claret (2009)
>>> A Revolução Francesa de Paz E Terra pela Paz E Terra (2005)
>>> Histórias Das Mil E Uma Noites - Coleção Conte Um Conto de Ruth Rocha pela Salamandra (2010)
>>> Quem Vai Decifrar O Código Leonardo? de Thomas Brezina pela Ática (2015)
>>> Violencia Do Rosto de Emmanuel Levinas pela Loyola (2014)
>>> Emília No País Da Gramática de Monteiro Lobato pela Ciranda Cultural (2019)
>>> Deserto, Desertos de Jean-Yves Leloup pela Vozes (2003)
>>> Um Caldeirão De Poemas de Tatiana Belinky pela Companhia Das Letrinhas (2002)
COLUNAS

Quarta-feira, 17/10/2018
Inferno em digestão
Renato Alessandro dos Santos
+ de 9100 Acessos



Olhando para trás, lá se vão décadas e décadas. Terra sonâmbula, romance de Mia Couto, tem o mesmo número de anos que sinaliza o fim da guerra civil de Moçambique, em 1992. Vida difícil a dos moçambicanos. Não bastasse a independência tardia (1975), encerrando a fase de guerra colonial, o país entrou em outra batalha, interna, a guerra civil que, de 1976 a 1992, deixou o chão e a vida esburacados. A primeira foi uma luta necessária e amplamente mortífera, que assinalou um período em que um tardio império decadente não mais estenderia suas mãos para pilhar e para fazer sofrer aqueles que, no além-mar, viram-se enredados numa máquina lusitana que havia perdido a sincronia com a máquina do mundo.

Duro é compreender que, finda a luta pela independência, de 1965 a 1975, contra aqueles que vieram com a língua de fora, começaria outra batalha contra aqueles que, do lado de dentro, não se compreendiam nação una, surdos que estavam à diversidade de línguas, que, demarcando territórios, expuseram a cizânia e a ferida que indicavam que o ódio e a intolerância ainda tinham muito a dizer a Moçambique.

E a literatura, o que tinha ela a falar sobre tudo isso?

Uma boa resposta está em Terra sonâmbula. “Nele”, afirma a professora Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco, “as estórias entrançadas constituem-se como uma rede poética que dá a resposta da literatura à crise político-social por que passa Moçambique”. Política e literatura, de mãos dadas e levantadas do chão.



Primeiro, repleta de sinais de uma guerra recente, a estrada por onde passam dois personagens que levam o leitor travessia adentro. Os sinais: carros incendiados e retorcidos; pessoas mortas e carcomidas a servir de pasto a aves de rapina. Sem comida, sem futuro, sem sonhos. A terra está sonâmbula.

Depois, esses personagens que, no romance, fazem a diferença e indicam o desenrolar do enredo. Dois. Um velho e um menino: Tuahir e Muidinga. Duas gerações a abrir a estrada para seguir adiante. A tradição e o porvir. O menino perdeu voz, dignidade, esperança, mas o velho ajuda-o a reencontrá-las, e partem, até porque, a não ser manter-se em movimento, não há outra coisa a fazer. Caminham os dois e, de repente, veem um machimbombo abandonado, uma espécie de micro-ônibus que servirá como uma âncora aos dois: âncora para regressar, âncora temporária a amortecer as agruras da estrada.

Mas o que é aquilo ali?

Ali, está o que restou de um homem e, anexado a ele, uma mala. É preciso enterrar o corpo, e eles assim o fazem; é preciso ver o que há dentro daquela velha mala, e, ao abri-la, o que o menino encontra são onze cadernos escritos por Kindzu, terceiro personagem que, fugitivo também, será uma espécie de bálsamo para a travessia de Tuahir e Muidinga, porque nesses apontamentos os dois encontrarão o sonho que parece inexistir na terra sonâmbula.



E vai assim, um livro dentro do outro, em abismo. Muidinga descobre que sabe ler, algo que julgava perdido, e levantando a voz narra para Tuahir, cego para as miçangas das letras, a biografia misteriosa de Kindzu, cuja vida também é marcada pelo movimento pícaro da estrada e pelas investigações oníricas que engendra.

Kindzu é filho de um pescador, o velho Taímo. O pai não compreende que o filho tem de ir embora de sua terra, e o menino não entende o porquê da ojeriza do patriarca. Conflito de gerações ― conflito marcado por duas visões contrastantes: o filho acredita que a resposta está lá fora, enquanto o pai não o perdoa por fugir e escapar de onde nascera. Eis o sal da terra. Kindzu parte, bem como o pai, que resolve ir para o além-mar que separa o mundo dos vivos e dos mortos. Longe de casa, o rapaz espera encontrar os naparamas, guerreiros que estão mais para lá do que pra cá, isto é, que têm lá seu quinhão no mundo dos mortos e, por isso, representam a tradição de heróis que podem recuperar a grandeza da terra para seu povo. Parte Kindzu, e seu pai vez ou outra surge para lhe iluminar ou apagar o caminho, pois o velho ― no mundo dos mortos ― ainda não o perdoou.

Estrada afora, o passado do país é reacendido pela voz do filho, que estrada adentro reencontra ancestrais capazes de resgatar o fio da memória tão severamente obliterada pela assimilação lusitana, isto é, pela borracha que os portugueses esforçaram-se em usar a fim de apagar a memória popular. Assim, emergem estórias capazes de ilustrar a cisão entre o mundo real e o mundo dos sonhos, espelhada pela narração em primeira pessoa de Kindzu e contrastada pela onisciência do narrador, que apresenta a realidade em ruínas, em carcaças, em destroços que povoam a estrada de Muidinga e de Tuahir.

É essa voz de Kindzu que resgata o saber africano dos anciãos, bem como a identidade perdida durante o processo de colonização português. Em seus cadernos, a prosa poética resgata os laços do passado, trazendo ao encontro do leitor a memória do tempo perdido, que passa a ecoar na vida do velho e do menino, cruzando fantasia e realidade: o canto do galo mimético e independente de Vinticinco de Junho, ou Junho ou Junhito; a perseguição de Nhamataca por rios, à espera de vê-los brotar da terra; as velhas em transe, que em busca de gafanhotos parecem ecoar um canto ranzinza de cigarras; o velho português Romão Pinto e sua esposa, a africana Virgínia, personagens que carregam no próprio nome o fardo da colonização; a mulher que em busca do filho ocupa a carcaça de um velho navio ancorado, repleto de mantimentos que apodrecem, à revelia de uma população faminta... Algumas dessas estórias são costuradas por Kindzu, enquanto do outro lado do espelho os dois personagens servem-se delas como aqueles que, na oração, encontram força para escapulir de uma vida rasteira e seca.

Nesse diálogo entre o passado e o presente, entre o imaginário e a realidade, Terra sonâmbula encontra, por meio da literatura, o caminho por onde os moçambicanos têm de seguir, estrada afora, vida adentro, como um metrônomo que regressa ao passado para, no presente, seguir como o rio que, a despeito das margens que o oprimem, vai engolindo tudo pela frente.

Renato Alessandro dos Santos, 46, é autor de Todos os livros do mundo estão esperando quem os leia (Engenho e arte), seu mais recente livro. A ilustração é de Helton Souto. Este texto que lê aqui faz parte da obra, que pode ser adquirida pelo e-mail do autor ([email protected]).



Renato Alessandro dos Santos
Batatais, 17/10/2018

Mais Renato Alessandro dos Santos
Mais Acessadas de Renato Alessandro dos Santos em 2018
01. Vespeiro silencioso: "Mayombe", de Pepetela - 13/11/2018
02. Inferno em digestão - 17/10/2018
03. O massacre da primavera - 29/5/2018
04. Sebastião Rodrigues Maia, ou Maia, Tim Maia - 20/3/2018
05. Pra que mentir? Vadico, Noel e o samba - 31/7/2018


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Evangelho Segundo o Espiritismo
Allan Kardec
Feb
(1988)



Livro Direito Cotas Raciais no Ensino Superior Entre o Jurídico e o Político
Evandro C. Piza Duarte e Outros
Juruá
(2012)



Volta Para Casa
Harlan Coben
Arqueiro
(2018)



As idéias filosóficas contemporâneas na França
Christian Descamps
Jorge Zahar
(1991)



E Agora?
Odette de Barros Mott
Brasiliense
(1976)



Maitena superadas 1
Tradução de Ryta Vinagre
Rocco
(2005)



O I Ching do Amor
Guy Damian-Knight
Record



Os Fundamentos do Antitruste
Paula A Forgioni
Revista dos Tribunais
(2013)



A Boa Sorte
Alex Rovira Celma, Fernando Trias De Bes
Sextante
(2004)



Deixados Para Tras 3 - Nicolae
Tim Lahaye E Jerry B. Jenkins
Thomas Nelson Brasil





busca | avançada
52329 visitas/dia
1,9 milhão/mês