COLUNAS
Sexta-feira,
23/11/2018
Como eu escrevo
Luís Fernando Amâncio
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A cena é a seguinte: você está confortavelmente em seu sofá, sentado com as pernas cruzadas e as duas mãos segurando um livro aberto diante de seu rosto. A TV, no móvel em frente, está desligada, enquanto uma chuva insistente molha os vidros de sua janela.
Em sua cabeça, entretanto, nada disso importa. Você está imerso na leitura de uma outra cena: o herói acelera sua moto em alta velocidade por uma estrada de terra esburacada. Atrás dele, entre muita poeira, surge uma caminhonete cheia de homens armados, fazendo inúmeros disparos em direção ao motoqueiro. O herói segue atento, alternando o olhar entre a estrada e o automóvel, que ele vê pelos retrovisores.
Para que você saiba que fim terá essa perseguição, uma terceira cena teve que acontecer. O escritor do romance, pressionado pela editora, em crise no seu casamento e com contas para pagar, sentou-se diante da máquina de escrever. Deixou, de um lado, o maço de cigarros e a caixa de fósforo e, do outro, uma garrafa de café. Foi até o telefone e o arrancou do gancho. Ascendeu um cigarro. Estalou os dedos. E começou a datilografar.
Claro, quando a história é boa, a gente mal tem tempo para pensar nos bastidores de sua concepção. Porém, para um livro surgir, talvez tenha sido necessário que um autor tenha faltado ao espetáculo de balé da filhinha de 6 anos, recusado o convite para o happy hour da firma ou aberto aquela garrafa de uísque guardada para momentos especiais.
Quem escreve sabe que às vezes que a página em branco na nossa frente é uma tortura. Ela nos olha, nós olhamos de volta, e ficamos numa inércia constrangedora. Procrastinar, então, vira quase uma obrigação.
Com o intuito de ajudar autores diante de impasses em sua escrita, José Nunes de Cerqueira Neto criou o projeto “Como eu escrevo”. Nele, autores acadêmicos, juristas e escritores respondem a um questionário sobre suas rotinas e o processo de criação. Nas palavras do próprio José Nunes, que é doutorando em Direito pela UnB, “saber como escrevem as pessoas que admiramos nos inspira a refletir sobre o nosso próprio processo criativo”.
O catálogo do “Como eu escrevo” é extenso, com centenas de autores, muitos deles premiados. Certamente você encontrará lá escritores que já leu. Vale a leitura, nem que seja pela curiosidade de conhecer como os autores organizam suas rotinas. Participei, com satisfação, do projeto e os convido para ler minhas respostas.
E, afinal, o motoqueiro conseguiu escapar de seus perseguidores? Após ler algumas respostas do “Como eu escrevo” é bem capaz que você mesmo se inspire a terminar a cena.
Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte,
23/11/2018
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