COLUNAS
Quinta-feira,
6/12/2018
As palmeiras da Politécnica
Elisa Andrade Buzzo
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Voam as palmeiras altíssimas da Politécnica; voam, afeitas à pirotecnia dos ares, açoitadas pelos caprichos de Leslie, que traz uma suavidade indizível e uma chuva invisível no alto da rua da Escola Politécnica. Dentro dela, a continuação do ajardinado preparado desde o topo do morro, descendo-o, o Jardim Botânico, por detrás do antigo portão gradeado, já na noite alta é um monumento vegetal massivo, negro e silencioso.
Não posso mais entrar nesse quadro romântico na noite, e ser um pequeno ponto humano diante de uma natureza grandiosa e tumultuosa, tentando manter-me inteiro, pois os museus fecham muito cedo. Fica a imagem fixa, presa e perigosa, como emoldurada por volteios de flores e bordas de capitéis, com a estranha vida de pássaros mortos e plumagem oscilantes, as alamedas preenchidas de folhas dos plátanos, aloe e vera soldados empunhando suas lanças pontiagudas. Entretanto, do lado oposto do morro, os recortes da cidade mantêm-se abertos como aquarelas aparentemente convidativas.
Ao longe, depois ainda da pincelada esverdeada de rio, delicada e muito aquosa, o Cristo-Rei e a Ponte 25 de abril, crepusculares, esboços de traços erigidos na composição da paisagem como cruz cinza e gradeado avermelhado, translucidados, pois aqui o sol ainda não se pôs, é um projeto ainda de alterar as cores, de redelimitar os limites, de dissolver as formas, de impressionar com inexatidão os contornos que meus não são, a dissolver-se longinquamente.
Num repente, nublando-se o céu não se sente frio algum, os azuis aprofundam-se, os cinzas mesclam-se aos brancos e a tintagem se prolifera, como se uma temperatura ideal se tivesse instalado, como se quisesse unificar em um só tom pela brutalidade da escuridão, como a dos trópicos amenos descobertos; e nisso que não consistia em frio nem em calor encontrei algo mavioso num fortuito, Leslie, em sua passagem de forças já perdidas, prenunciando a paz antes mesmo de configurada sua tormenta.
Elisa Andrade Buzzo
Lisboa,
6/12/2018
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