COLUNAS
Quarta-feira,
13/2/2019
No palco da vida, o feitiço do escritor
Cassionei Niches Petry
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O anfiteatro (1946) e O enfeitiçado (1954) são as duas novelas de Lúcio Cardoso que antecedem o monumental Crônica da casa assassinada (1959) e completam o volume As três histórias da cidade, junto com Inácio (1944), já comentada por aqui.
Na primeira, o narrador é Cláudio, mais um dos tantos personagens atormentados de Cardoso. Vivendo com seus pais e uma tia, o jovem de 19 anos começa a ter pressentimentos: “(...) a morte estava dentro daquela sala. E só eu a tinha visto. Só eu”. Logo seu pai morre e, a partir daí, se acentuam as brigas entre Margarida, sua mãe, e Laura, sua tia. A presença de um desconhecido no leito de morte do pai (“aqueles olhos fixos sobre mim causavam-me mal-estar”), que depois se tornará seu professor no curso de Medicina, será o motor que vai girar novos conflitos familiares. Aliás, está nesta novela um trecho que, de certa forma, resume os enredos do autor. É uma advertência da tia ao sobrinho: “(...) Ah, meu caro, você ignora o que são os segredos de família. Convivemos a vida toda com certas pessoas, sem que saibamos ao certo quem elas sejam”.
O enfeitiçado, por seu turno, retoma os personagens de Inácio. É a segunda parte da trilogia “Um mundo sem Deus”, que se completaria com Baltazar, novela que ficou inacabada devido à morte de Lúcio Cardoso. Em Inácio, Rogério Palma procura o pai (cujo nome dá título à novela), enquanto que em O enfeitiçado acontece o contrário. Inácio Palma está bem mais velho e sai em busca do filho pelos ambientes noturnos do Rio de Janeiro. Pede, para tanto, ajuda a um cartomante, que por sua vez, “empurra” a filha de 13 anos, Adélia, ao decrépito senhor, que acaba embebedando a adolescente e abusa dela enquanto dormia.
São narrativas fortes, angustiantes, no entanto ainda curtas, talvez por isso nos dando a sensação de incompletude, no sentido de obra aberta. Parece que nada se resolve, deixando o leitor mais perdido do que os próprios personagens. Gosto de literatura assim, que não me responde, mas sim me questiona e faz me sentir inquieto. Lúcio Cardoso enfeitiça. Sua feitiçaria, entretanto, alcança o auge na mais importante obra, que será tema de uma próxima coluna.
Cassionei Niches Petry
Santa Cruz do Sul,
13/2/2019
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