Relatório de compra | Ana Elisa Ribeiro | Digestivo Cultural

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Sexta-feira, 7/2/2020
Relatório de compra
Ana Elisa Ribeiro
+ de 2800 Acessos


LeP



Se isto se parecer com uma crônica, terá sido puro efeito de linguagem mesmo, porque o que ora venho fazer aqui é um relato, quase um relatório, desses textos que quase se colam à vida, de tão realistas. E lá vai.

Flora

Na terça-feira, dia 11 de fevereiro do corrente, ali pelas 15h, pouco mais, pouco menos, subi a rua íngreme em direção à floricultura. Trata-se de um estabelecimento antigo no bairro, referência para os passantes, do tipo que a gente diz "você chega ali na flora e vira a segunda à direita".

A flora compõe-se, na verdade, de duas lojas geminadas, sendo uma um depósito de construção, já aumentado com o sucesso dos anos de funcionamento, e o outro o escritório da floricultura, onde, além do caixa onde fazemos os pagamentos, podemos também escolher vasos, vasinhos, vasões, sementes e suportes de toda espécie. Há também, lá no fundo, uma porta que dá para um banheiro infestadíssimo de pernilongos. Este prefiro não frequentar.

Entrei pelo escritório da floricultura, não sem antes dar uma espiada dentro do depósito de construção, coisa que sempre me interessa. Encontrei o balcão do caixa vazio, as atendentes sumidas e umas moças brincando de escolher vasinhos de plantas. Como minha paciência estivesse grande, mas meu tempo, não, resolvi adentrar a parte onde ficam as plantas, embaixo de sombrites que as protegem do sol exagerado.

Ouvi um barulho de terra sendo cavada. Fui naquela direção e logo avistei o funcionário mais antigo da casa. Não por acaso, e sem mentira, ele atende pelo nome de Matozinhos. Um senhor cuja idade é difícil de adivinhar. A pele de rugas estreitas pode ser culpa do sol sob o qual trabalha há décadas. Talvez seja mais novo do que aparenta. É, certamente, mais forte e mais magro do que muito rapagão. É um pouco como se a cabeça não correspondesse ao corpo, à maneira de bonecos desmantelados. E de uma simpatia ímpar.

Boa tarde, o senhor está bom?

Oi, moça. Tudo bem e com a senhora?

Tudo bem. Será que o senhor sabe se tem aqui umas pleomeles?

Ah, tem sim. Tem de dois tipos. Deixa eu te mostrar, elas estão lá embaixo.

Não precisei pedir. Ele imediatamente me atendeu e quis me mostrar as mudas. Porque planta se compra é assim, escolhendo, feito fruta e verdura. E o preço depende da muda, do tamanho que ela tem, da raridade da planta, do que ela pode virar. E eu queria uma planta resistente, que precisasse de pouca rega, dentro das possibilidades da minha vida e do meu pequeno jardim.

Sombra

Fui, naquela tarde, à floricultura comprar uma futura árvore e três arbustos. Na verdade, fui comprar futuras sombras para a varanda. Desde que o vizinho retirou, com autorização da Prefeitura, a imensa árvore que sombreava minha varanda, ando incomodada com o calor da sala, com a dilatação da porta de ferro, com a luz excessiva pelas janelas. Nada pode ser melhor do que a sombra de uma folhagem.

Vamos lá. Entrei debaixo do sombrite onde estava o jardineiro, adentrei uma senda ladeada por plantas de todo jeito e cor e cheiro. Não reconheço nenhuma. Minto, talvez duas ou três: uma bananeira ainda baixa, a pleomele igual à do meu jardim e talvez um cacto, embora retorcido além da conta, um alien. Das demais plantas não posso dizer nada.

Passo então à consultoria do seu Matozinhos. Quero uma planta que fique alta, um arbusto que sobreviva encostado num muro alto e que o ultrapasse, se tudo der certo. Tenho uma experiência positiva de doze anos com quatro ou cinco pleomeles de duas cores. Quero também uma muda que se transforme em árvore, mas que não seja monstruosa, ameaçadora. Quero plantas que não me exijam mais do que posso dar. Que bebam água à vontade, meio autônomas, e que brinquem bem com cães e com o sol de meio-dia. Quero-as.

Matozinhos fechava um pouco os olhinhos sob as ruguinhas, tirava o boné e, com a mesma mão, dava uma coçadinha na cabeça meio careca. Pensava. É assim que muitos entendidos de muitas coisas pensam. Daí passava a me ensinar um pouco sobre as plantas, tocando-lhes as folhas, com um carinho de quem cuida delas há anos. Fazia afirmações sobre elas e seus hábitos. Achava que esta não se daria bem no meu jardim, mas esta, sim. Falava preços e me dava sugestões para pagar menos. E falava em substrato e siglas de compostos importantes e água.

Enfim, escolhi aquelas duas pleomeles verdes maiores. Custam menos que as de duas cores. Mas pedi também uma bicolor. Não resisti à composição. Embora aqui eu não tenha qualquer talento para a coisa, jardim é também edição, diagramação e design. Matozinhos sabe disso e sabe de como as plantas sobrevivem aos/às donos/as.

Ele foi tirando as mudas dali, em vasos de plástico preto. Foi trazendo para o beco onde estávamos, quase nos meus pés. Foi perguntando se esta estava boa, se não estava. Se eu queria menor ou maior. Foi fazendo uma pequena fila de mudinhas. E eu fui olhando, cerimoniosa, sem tocá-las. Tentando imaginar como elas cresceriam, juntando paciência para esperar por anos e já curtindo a sombra que a varanda há de ter, um dia; sob a qual meu banco de madeira sofrerá menos e onde voltarei a pendurar uma rede, presente de um amigo cearense.

Pausa para drama

Em meio a essa escolha bucólica toda, acompanhada do seu Matozinhos, tão apropriadamente jardineiro e funcionário da floricultura, passamos a ouvir barulhos de telhas se quebrando e um burburinho, sussurros e umas passadas que logo quebravam mais telhas. Cinco ou seis homens fortes, fugindo da polícia, pulavam o muro lateral da flora e passavam por nós, sem nos ver direito, ainda bem. Meu coração se enregelou em menos de um segundo e estive paralisada, sem saber se o melhor era correr ou me esconder dentro de um cômodo pequeno que servia de depósito. No fim das contas, fiquei parada, talvez na esperança de me confundirem com uma planta.

A bandidagem, em ritmo de fuga de presídio, passou sem nos molestar, embora minha adrenalina não soubesse de nada disso. Morri e vivi de novo. Depois de não ver mais as costas daqueles homens, liguei para a polícia e fiz um relato bem mais rápido e bem mais direto do que este, mais realista, talvez. Fui ao caixa, onde duas meninas já estavam de volta, atônitas, comprei ainda uma corujinha de metal e voltei para casa, sã e salva. Um dia espero ter minha sombrinha na varanda.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 7/2/2020

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