COLUNAS
Segunda-feira,
14/6/2021
Ao pai do meu amigo
Julio Daio Borges
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O Cris foi meu primeiro melhor amigo.
Nunca gostou da escola e não ia bem. Só que lia como ninguém.
Detestava os livros que a escola indicava, mas, graças a ele, comecei a ler Stephen King, de quem ele já havia lido tudo.
Penso que o importante, na adolescência, não é ler Machado de Assis - mas ler. Simplesmente.
Pois quem não adquire o hábito da leitura na adolescência ou na juventude, dificilmente adquire depois.
Ainda mais no mundo de hoje.
O nosso mundo já era o do videogame, do videocassete e do microcomputador. E a música era o centro da nossa vida. Mas nós líamos.
Além das mil aventuras da adolescência, obviamente, nunca vou esquecer o Cris por isso. Sem a influência dele, eu provavelmente não seria o leitor que acabei me tornando.
Infelizmente, perdi contato com o Cris quando mudei de escola, no colegial. Tinha notïcias dele, por amigos em comum, até a época do cursinho. E, nos anos da faculdade, só nos vimos uma vez.
Depois, brevemente, na rua Augusta - quando eu, recém-formado, era trainee do Itaú e, justamente, fazia um treinamento no Conjunto Nacional (de Visual Basic, se não me engano).
E, se não me falha a memória, a família dele tinha montado uma empresa de serviços gráficos, cuja sede era na Augusta. Eu avistava o Cris quando subia ou descia a pé, do estacionamento para o Conjunto Nacional - e vice-versa.
Trocamos mensagens nas redes sociais. No Orkut, imagino, e no Facebook. Mas aquela coisa rápida, breve, mais para saber como o outro está, sem se aprofundar ou encontrar.
Curiosamente, quem passou a comentar meus textos e a me cumprimentar, nos meus aniversários, foi o Mario, o pai do Cris. E acabamos desenvolvendo uma relação cordial, mesmo que à distância, passados tantos anos... Em 2021, trinta e seis anos.
Hoje soube pelo Giuliano, irmão do Cris, que o Mario se foi. (Ainda não consegui descobrir se foi Covid...)
Fiquei triste. Não é o primeiro pai de amigo que se vai. Quando eu soube que o pai de um grande amigo estava com um câncer terminal, aquilo me tocou fundo. Passei dias pensando nele (no pai do meu amigo).
Recentemente, quando soube que o pai do Bruno se foi - outro grande amigo meu -, a notícia igualmente me tocou. Até porque eu tinha encontrado ele - o pai do Bruno - na praça Vinicius de Moraes, rapidamente, quando ele veio me perguntar: “Ei, você não é o Julio?”
Na época do cursinho, eu concluí, com outro grande amigo, que, quando gostamos muito de alguém, gostamos, quase automaticamente, da família da pessoa (quando chegamos a conhecê-la).
Lembro do Mario, por exemplo, nos levando - eu, o Cris e o Giuliano - na Up&Down (uma “danceteria”, alguém se lembra? Na Pamplona).
Lembro também que o Mario gostava muito de cinema - e alugava tantas fitas de uma só vez... que alugava “por semana” na locadora. (Eu nem sabia que existia essa modalidade.)
O consumo de cultura, da família, me impressionava. (É verdade que meus amigos sempre gostaram muito de música - difícil eu me relacionar com alguém que não gostasse...)
Hoje, fui escutar, de novo, os áudios que o Mario me deixou, a cada mês de janeiro. Foi bom ouvir sua voz grave novamente, senti ele próximo, senti calor humano.
Para a minha surpresa, havia um último áudio, que ele havia me deixado este ano - e que eu não havia escutado (no turbilhão dos cumprimentos simultâneos)...
“Julio” - ele pontuou - “os amigos, a gente não esquece. Feliz aniversário!”
Não esquece mesmo, Mario.
Julio Daio Borges
São Paulo,
14/6/2021
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