COLUNAS
Terça-feira,
28/4/2020
Layon pinta o silêncio da cidade em quarentena
Jardel Dias Cavalcanti
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“Cada obra de arte nos dá uma forma, paradigma ou modelo de conhecimento de alguma coisa.” (Susan Sontag)
Não é comum na pintura de Elias Layon a representação da cidade totalmente solitária, tomada por aquele silêncio dos lugares inabitados. Em geral, na soma de suas obras, há sempre um personagem aqui e outro ali, gente perambulando pela cidade, casais de mãos dadas, como também pessoas em suas tarefas cotidianas ou eventos importantes para a cidade como procissões religiosas, festas populares ou a apresentação pública da Banda da cidade.
No entanto, agora, um silêncio eloquente e ressoante invade as suas telas. A cidade se impõe de forma total a partir da ausência do murmúrio humano. Nessa visão, o silêncio da cidade, com suas árvores, arquitetura, praças e ruas abandonadas se dá a pressentir através de pinceladas e espatulados de cores e formas que adensam o tom solitário de cada espaço urbano representado por Elias Layon.
Há um ou outro quadro de Layon onde o silêncio se apresenta, mas o tema parece mais próprio a uma metáfora da solidão. Como na belíssima tela abaixo, onde em um banco vazio de praça se encontra encostado um guarda-chuva abandonado. Quem esteve ali? Esperava por alguém que não apareceu? Porque o esquecimento do guarda-chuva? O abandono do guarda-chuva assemelha-se ao abandono a que todos nós podemos estar condenados em algum momento da vida. A neblina que se adensa sobre a cidade amplia o tom poético do tema da solidão no quadro.
Em algumas das telas recentemente pintadas por Layon, a praça principal da cidade de Mariana (M.G) é o espaço onde vai se dar a poética do silêncio. Coincidentemente, o mesmo espaço da solidão do quadro anteriormente comentado. Sendo o lugar por excelência dos encontros dos moradores da cidade, a praça é o lugar onde bares movimentam ruidosas conversas, sempre ao som de música alta e estando cercada pelo ruído de automóveis de cortam ininterruptamente a cidade.
Em contraste com esse barulhento espaço onde a vida humana se reúne quase que diariamente, as pinturas que Layon agora nos apresenta devolve à praça um silêncio diante do qual sentimos algo que é a combinação de angústia, isolamento e, ao mesmo tempo, temor.
Como podemos ver nas telas que se seguem, a presença da natureza parece tomar o espaço da praça, acentuando uma espécie de temporalidade para o abandono. Folhas ao chão, ressecadas, galhos de árvores sem poda, árvores quase sempre maiores que os elementos da arquitetura. Junte-se a isso o fato das pinceladas serem mais carregadas de tinta, com um espatulado que dá corpo à matéria da natureza, fazendo-a impor-se sobre os outros elementos. A tonalidade das cores, sempre fortes e espessas, nos faz pensar em como a natureza tomou a historicidade da arquitetura em assalto.
Na tela abaixo, o espaço dos caminhantes que frequentam a praça está solitário, as folhas caídas não foram retiradas do chão e a arquitetura, na sua cor esmaecida, quase desaparece sob o peso das árvores, com seus troncos, folhagens e galhos poderosamente coloridos. Nenhuma vida humana cruza a praça. Há quase que um fechamento das árvores sobre ela que impõe um silêncio de templo religioso.
No próximo quadro, como uma das partes principais da praça, o lago, centralizado na tela, reflete delicadamente o céu e algumas árvores. Sem também nenhuma possibilidade de ruído humano, as frondosas árvores envolvem a praça como num abraço mudo. O peso das pinceladas se repete nessas telas. As cores dominam o espaço numa representação próxima ao expressionismo. O empastamento das pinceladas pesa... porque o silêncio pesa. O lago aparece como o centro dominante da tela, por que a sua importância na praça é fundamental, pois ali, outrora, seus peixinhos coloridos chamavam a atenção das crianças e dos adultos que se divertiam vendo-os ou alimentando-os com nacos de pão. Essa lembrança das pequenas alegrias cotidianas agora desaparecidas, aumenta ainda mais o silêncio que desce sobre a praça.
Na tela temos o reflexo de um casarão colonial. Hoje esses casarões se transformaram em bares movimentados, com uma juventude ruidosa que os frequenta, mas que, agora, forçados ao isolamento social, a ausência de sociabilidade impõe a esses espaços o silêncio que os domina peremptoriamente. Silêncio que as telas de Layon registra.
Nas tela seguinte, o tema dominante é o coreto da praça. Ali também era um privilegiado espaço de encontros sociais, onde namorados se abraçavam e se beijavam, onde amigos sentavam para conversar e distribuir risadas aos quatro ventos. Visto de perto ou mais de longe, o coreto não se impõe. Aqui dominam as árvores, a solidão dos espaços inabitados, a força das pinceladas a reforçar a ideia de que um mundo desapareceu, o mundo da convivência dos habitantes da cidade.
O tema do silêncio domina essas pinturas, porque o tempo do risco de vida impõe o espaço vazio da cidade como saída para a sobrevivência. As neblinas típicas da pintura de Layon desaparecem nestas telas. Agora o ar límpido permeia todos os cantos, mas deixa um gosto discreto, mas amargo, de terra arrasada, e as pinceladas pesadas, com seu cromatismo por vezes terroso, indicam que esse silêncio assustador é nada mais, nada menos, que a vida correndo risco.
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
28/4/2020
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