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COLUNAS
Sexta-feira,
5/6/2020
Pílulas Poéticas para uma quarentena
Luís Fernando Amâncio
+ de 3900 Acessos
O roteirista surpreendeu a todos com esse plot twist. Aposto que, no fim da contagem regressiva do longínquo 31 de dezembro de 2019, choveram pedidos para: encontrar a pessoa amada, receber promoção no trabalho, ser aprovado em Cálculo I ou até, quem sabe, para o time de futebol sair da seca e ser campeão. Menos de um semestre depois e nada disso faz sentido na atual conjuntura.
Parece equivocado dizer que o jogo virou. Ele foi interrompido aos 35 do primeiro tempo e os jogadores estão no vestiário sem saber o que vão fazer. Quem pôde ficar em casa – e não é terraplanista – ficou em isolamento.
E a quarentena é uma boa oportunidade para a gente repensar algumas coisas. Por exemplo, questionar se não era melhor ter pedido, pulando as sete ondinhas na virada do ano, coisas mais simples. Humildes. Como saúde para nós e nossos entes queridos. Está fazendo falta. Continuar empregado. Ou que nossos vizinhos não nos impusessem essa desgraça de música sertaneja.
Não estamos em um ano dos sonhos para ninguém. Muito menos para o pai que gostaria de passar mais tempo com os filhos, mas na Disney ou em algum resort no Nordeste. De repente, o desejo meio atendido: tardes ajudando os catarrentos com as lições da escola à distância e descobrindo que esqueceu noções básicas de gramática e aritmética.
O home office, que lamentavelmente substituiu nossa expressão teletrabalho – muito mais simpática, remetendo aos tempos nostálgicos do 0900 – trouxe as cobranças do chefe para sua casa. A qualquer hora, em todo santo dia da semana. E com metas extras, já que você não precisa se deslocar para o serviço.
Enfim, a loucura está logo ali se não formos fortes. Nem todos têm a sorte de ser imune ao terror do isolamento social, virtude que eu expus aqui. É preciso respirar fundo, manter o foco. “Pensar fora da caixinha”, mesmo estando fechado na própria caixinha.
Só que para os artistas é mais difícil. A realidade deles é bem diferente da dos farialimers, da turma do mindset e dos cases de sucesso. O ser das artes é muito ligado ao trato social, quase um dependente químico de conversas regadas à tira-gostos e elixires etílicos. São pessoas que precisam de caminhadas ao ar livre, de flanar por cenas inusitadas e admirar a paleta de cores instigantes de um céu invernal. Não há romantismo em flertar com musas inspiradoras pelo WhatsApp.
Para artistas, a quarentena é um suplício. Mas há alternativas. Uma forma de suportar o distanciamento social, quem diria, é abordar criativamente o período, produzir registros sobre aquilo que será um marco histórico em nossas vidas – se o coronavírus ou a cloroquina permitirem que haja resto das vidas, evidentemente.
É o que fizemos na coletânea Re-mediando: pílulas poéticas para uma quarentena. Organizada por Ana Paula Martins Corrêa Bovo e Carina Adriele Duarte de Melo e Radamés Andrade Vieira, a obra reúne textos curtos, entre poemas e prosa, de autores que se propuseram ressignificar a experiência do isolamento.
O ebook está disponível de forma gratuita através do site. Vale o download, a leitura. Pois um dia a vida há de voltar ao normal e esses relatos literários serão uma lembrança da tormenta que superamos.
Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte,
5/6/2020
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