COLUNAS
Terça-feira,
3/8/2021
O mundo é pequeno demais para nós dois
Renato Alessandro dos Santos
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A morte de um advogado corrupto está no epicentro deste novo romance de George dos Santos Pacheco. Embora o autor ainda não tenha soprado as 40 velinhas, ele já chega ao quarto romance, contando ainda com livros de contos, com poemas e com crônicas que vem lançando frequentemente. Agora, é outra narrativa policial que ele publica; a anterior, O pacto, respinga aqui, em O mundo é pequeno demais para nós dois, obra repleta de marcas que, longe de uma abordagem tradicional, carregam os sinais de estranhamento que a literatura brasileira atual vem irradiando com autores exatamente como George.
Théo, o protagonista que o diabo alicia, é mencionado, mas, muito mais do que ele, é o próprio autor, George dos Santos Pacheco, que habita o novo romance como... George dos Santos Pacheco. Eis uma das marcas de estranhamento; sim, nada de novo sob o Cruzeiro do Sul, mas são artimanhas assim que revitalizam a literatura contemporânea da qual George faz parte, e, no romance, George, personagem de si mesmo, narra seu encontro com Suzanne em uma livraria, por conta da publicação de O pacto. Do ponto de vista dos recursos aos quais a imaginação recorre – naqueles momentos em que a criação literária, no gerúndio, vai acontecendo – é bastante instigante.
George é narrador também; quer dizer, um dos narradores, porque, além dele, há outros, para desespero de leitores que, porventura, pairando um centímetro acima do chão, terão de retornar algumas páginas. É preciso ficar agarrado ao que vai: quem conhece o trabalho do autor sabe que ele faz de propósito, confiando na argúcia da gente, seus leitores. Não, não se trata de desatenção com a estrutura narrativa; em vez disso, é construir engenhosamente um mundo fictício onde as coisas acontecem e, na aparição dessas coisas, a certeza de que se está com um autor que se preocupa em fazer diferente aquilo que, na arte literária, jamais deve ser feito apenas repetindo o que outros, antes, fizeram. Literatura não é algo a ser vendido a preço de banana, como um kit em que se paga por uma unidade e se leva três. Nada disso. O trabalho de George segue um caminho nem sempre asfaltado e, por esse motivo, tem de contar com leitores que saibam desviar de obstáculos que queiram malograr a travessia.
George desaparece, e a polícia o tem como suspeito no assassinato do advogado. Outros possíveis candidatos à morte do corruptor emergem. Um deles é Raphael, que também vira narrador; em seu encalço, vai Pedro Avellar, que investiga o caso contando com a ajuda de X, seu amigo de infância, que também vai ajudar na solução do crime. Ambos tornam-se narradores, como Miltão... Tropeço... Confuso?
Como repetiria um bem-humorado professor de latim dos tempos de graduação: Pay attention, s’il vous plait! Faz parte. Leitores saberão bem o que é esta narrativa, na ulterior hora quando a literatura vira leitura em progresso: enquanto peripécias – que fazem a cabeça do autor – vão surgindo, como em toda boa narrativa policial, a gente avança, rumo ao clímax e ao posterior desenlace do enredo. Por falar nisso, um elemento narrativo que merece destaque é o espaço que serve de cenário à trama: Friburgo, ou melhor, Nova Friburgo, cidade do estado do Rio de Janeiro onde reside George e que, além de contar com a Mata Atlântica a retocar a região, serve de palco para as ações que vão se desenvolvendo ao longo dos 16 capítulos de O mundo é pequeno demais para nós dois.
Enfim, trata-se de um escritor que parece não sossegar e, por isso, não está disposto a pendurar seu Microsoft Word. Leitores novos e veteranos torcem para que o autor vá cada vez mais fundo nesta forma narrativa longa, o romance, que, quando conta com empenhados & criativos contadores de histórias, só faz fluir a vida com mais dinâmica; no caso, amarrando todas as pontas, George serve-se do fio narrativo que, à beira do precipício, conduz a gente pelo labirinto; os leitores hão de se lembrar disso, ao percorrer, do início ao fim, esta trama que se arrisca naquelas veredas inventivas cheias de rupturas, lá onde vai brotando – feito foz – a literatura.
Nota do Autor
Renato Alessandro dos Santos, 48, é autor de Lado B: música, literatura e discos de vinil, de Todos os livros do mundo estão esperando quem os leia (volumes I e II), de O espaço que sobra, seu primeiro livro de poesia (todos publicados pela Engenho e arte), além de outras obras.
Renato Alessandro dos Santos
Batatais,
3/8/2021
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