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Terça-feira,
17/8/2021
LSD 3 - uma entrevista com Bento Araujo
Renato Alessandro dos Santos
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Bento Araujo, da Poeira Zine, vem, desde 2016, publicando a série Lindo Sonho Delirante, título que reúne 300 discos resenhados e mais 45, uma vez que cada volume conta com um libreto adicional com 15 discos, somando esse número admirável de discos capazes de encher de alegria o coração de qualquer colecionador.
Leia, a seguir, entrevista feita com Bento Araujo a respeito do último livro da série, Lindo Sonho Delirante: LSD 3 - 100 discos corajosos do Brasil (1986-2000). ― RAS
Você lançou seu livro em um esquema diferente do tradicional. Por conta dessa forma que encontrou, você vem fazendo lives, divulgando o livro em seu site, redes sociais etc. Está feliz com esse forma? Como está a recepção do livro? Julga ter sido uma boa opção ter partido para o crowdfunding? Quais as vantagens e as desvantagens que vê em usar o crowdfunding (como forma de obter recursos para a publicação do livro)?
Utilizei o crowdfunding para viabilizar os três volumes e venho utilizando essa plataforma desde 2015. Posso dizer que estou bem satisfeito com esse formato de “viabilizar sonhos”, digamos assim.
Se você fizer uma pré-campanha bem estruturada, uma gestão da sua comunidade e um mapeamento da sua rede, creio que não há desvantagem no crowdfunding. A diferença, neste terceiro volume, é o cenário da pandemia, sem eventos físicos de lançamento e sem as palestras presenciais. Parti então recentemente para as lives e para os eventos online. Tenho curtido bastante esses novos formatos e possibilidades.
Imagino que tenha mergulhado fundo na pesquisa, porque aqui e ali há gírias usadas naqueles anos, como “transar”, “pintar” etc. E você as usa no livro. Sobre a pesquisa, como você a conduziu? Quanto tempo do seu dia dedicou a ela? Em plena pandemia, como era sua rotina de trabalho? Entrevistas, acervos de discos visitados? Você não tem todos esses discos que menciona, não é? Nesse sentido, como fez para ouvi-los? Eram de coleções pessoais ou buscou o streaming?
Este volume 3 foi o que mais me envolveu, até mesmo pela afetividade, pois retrato uma época que vivi intensamente: tocando, indo aos shows, comprando os discos quando foram lançados etc.
Aproveitei a pandemia para entrevistar, remotamente, o maior número possível de artistas que localizei. Realizei sessenta entrevistas exclusivas para esse projeto.
Como eu não tenho uma “rotina” de trabalho, fica difícil de mensurar a carga horária diária dedicada ao projeto... Aquela coisa, né? Pai de uma criança de três anos trabalha quando dá (rs). Sei que foram dois intensos anos de trabalho.
Quanto aos discos, não tenho todos. Faz quatro anos que não compro mais discos, principalmente devido a esse aumento considerável nos preços. A parte boa é que abandonei aquela vaidade comum aos colecionadores. Não me considero mais um colecionador, como me considerava quando lancei o primeiro volume, em 2016. Para ouvir os discos, recorro a coleções de amigos pelo mundo, aos acervos dos próprios artistas e também à internet.
Tive a oportunidade de conhecer o Antonio Bivar nos anos 90. Eu e uns amigos fizemos uma entrevista com ele, por causa de Verdes vales do fim do mundo, livro que todo mundo deveria ler, ao menos os que gostam de anos 1960 e 1970, não é verdade? Por que dedicou o livro a ele?
Dediquei o livro ao Bivar porque estava justamente terminando de ler o Verdes vales do fim do mundo quando ele morreu. Me encantei com os seus textos e sempre me senti atraído pela sua presença e importância no underground paulistano, principalmente, apesar de não tê-lo conhecido pessoalmente.
Você abdicou de seu gosto pessoal na seleção dos discos, dando preferência a discos que têm, culturalmente, valor ao período, mais até do que ser uma obra agradável ou fácil de ser assimilada?
Tentei, mas é sempre difícil deixar o gosto pessoal de lado, principalmente num livro desse tipo, com uma seleção de 100 discos. Tenho isso comigo, de sempre escrever sobre o que eu gosto e acho que deve ser compartilhado. Como publiquei um fanzine por 13 anos, a Poeira Zine, tenho essa coisa de escrever de fã para fã, deixando a paixão à frente da razão e daquela visão de “crítico”.
Você cobre um período fértil para a música brasileira: abertura política, o rock dos anos 80 e 90, a transição do LP para o CD, a chegada da internet, e, ao mesmo tempo, o recrudescimento da cobertura da mídia especializada (Bizz, Rock Brigade e, mais tarde, a própria Poeira Zine, os zines), enfim, na seleção dos discos, além de apenas um disco por artista, de encaixar o disco na ordem cronológica do livro, em quais outros critérios você se baseou para chegar nessa lista de 100 álbuns?
O principal critério neste volume foi deixar de lado os grupos populares do rock brasileiro dos anos 80, o “BRock” como chamam por aí, de nomes como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Blitz, Capital Inicial etc. Esse critério foi utilizado meramente pelo fato dessas bandas já terem bastante cobertura da mídia desde os anos 80. Meu intuito foi apresentar um maior número de discos “perdidos”, ainda negligenciados pelo grande público.
Juntos, os três livros, somam 300 discos resenhados, sem contar os 45 contidos nos libretos que, individualmente, trazem 15 discos. Assim, 345 discos que vão de 1968 até o ano 2000. Algo que muita gente não compreende é que você até pode estar fazendo um "the best of" da música brasileira desse período, mas não é bem isso, né? Os subtítulos dos livros indicam um caminho contrário; respectivamente, do volume 1 ao 3, você tem: 100 discos psicodélicos do Brasil; 100 discos audaciosos do Brasil; e, agora, 100 discos corajosos do Brasil. Dos 115 discos que selecionou para esse volume 3, contando com o libreto, mencione ao menos um disco que você não conhecia e que se revelou uma grande descoberta a você.
As principais descobertas desse volume foram Tuyabaé Cuaá, de Walter Freitas, Estrada, de Zeto e Bia, Móbraba, do Crac! e Narcisa, da cantora de mesmo nome.
Poderia citar alguns discos que você havia pensado em incluir em seu livro, mas que ficaram de fora e que, caso a seleção fosse maior do que apenas 100 discos, gostaria de tê-los incluído?
Sim, daria para fazer outro livro, com mais 100 discos que ficaram de fora. Posso citar alguns como Avallon (1986), de Abidoral Jamacaru, Bhurma (1988), de Livio Tragtenberg, Fora da Grei (1992), de Rogério Skylab, Suite mística (1992), de Topos Uranos, Templum Probus (1993), de Individual Industry, Die Klarinetmaschine (1999), do Sujeito a Guincho etc.
Muitos desses 100 discos você já os tinha em seu projeto inicial para o livro, ou, à medida que foi pesquisando, um referência aqui, outra ali, você foi incluindo novos discos? Se foi assim, poderia citar ao menos um disco que não conhecia, mas que, por causa da pesquisa, a descoberta o fez colocá-lo no livro?
Sim, foram aparecendo alguns durante a pesquisa, até mesmo porque faço diversas reuniões de pauta com os colaboradores das campanhas de financiamento dos livros. Alguns discos são eles que apresentaram, como o caso do LP Minha Terra, lançado pela dupla Ana Maria e Matias Moreno.
Lendo o que escreveu sobre a seleção de discos, fica clara a intenção sua de ressaltar a produção independente do período, ou mesmo, como o subtítulo indica, discos corajosos. Mas, dentre esses 100, eu gostaria de perguntar por alguns discos que ficaram de fora e, se possível, saber o porquê da não inclusão deles na sua lista. Entendo, claro, que uma lista é pessoal, mas gostaria de saber se esses discos passaram por seu “filtro”, seus critérios de seleção para o livro, e, se passaram, por que você julgou melhor não colocá-los? São estes: La famiglia (Scowa e a máfia, 1989); No major Babes – volumes 1 e 2 (1992-1994); Esperar o quê? (Virna Lisi, 1996); Tem mas acabou (Pato Fu, 1996).
Dos citados acima eu não considerei as compilações No major Babes, mas os outros, sim. São discos que poderiam ter entrado, mas que, na seleção, ficaram de fora para dar espaço a outros que considerei mais relevantes, dentro do contexto histórico, do recorte do livro.
Seu trabalho serve de inspiração a outras pessoas que, numa área pouco estimulada no Brasil, o jornalismo musical, têm se esmerado para publicar livros sobre música no Brasil. Você poderia comentar o trabalho recente de autores cujo trabalho você conheceu, mas que ainda não são tão divulgados? A esses autores, o que sugere a respeito de formas de divulgação do trabalho? Lives, grupos de Whatsapp, macumba (risos)?
Fui apresentado a alguns TCCs e teses de faculdade que certamente dariam belos livros, como Som de valente: bailes negros em São Paulo, de Igor Santos Valvassori, ou Praça do rock: juventude, guitarras e ruptura em São Paulo entre 1983 e 1986, de João Vitor Oliveira. Um trabalho que virou livro independente, e que merece mais atenção é Nós somos os mods, de André Carmona. É difícil sugerir algo neste momento, porque tudo mudou com a pandemia, e eu mesmo estou me adaptando, tentando achar alguma forma mais consistente de divulgação virtual. Talvez a criação de “coletivos” seja uma boa, ou também a criação de algum selo editorial independente. Acho que isso pode chamar mais a atenção do que lançamentos e projetos isolados.
Há discos que hoje chegam a custar bem caro, alguns em torno de 1500 reais, como os discos de Edson Natale (Nina Maika) ou de Paul Hallstein & Ricardo Movits (Ponte para o invisível). Você menciona a invasão estrangeira em busca de discos do rock nacional, especialmente, japoneses... É grande ainda o interesse estrangeiro pelo mercado musical brasileiro dos anos 1960 em diante? Esse interesse resume-se basicamente ao rock brasileiro? E o interesse estrangeiro por discos de samba? Há? (Muito?)
Sim, o interesse continua enorme, apesar de ter a impressão de que o ápice foi na virada do século, quando pintou o disco brasileiro mais vendido no mundo, Tanto tempo, de Bebel Gilberto. Naquele vácuo, veio uma onda de interesse pela música eletrônica brasileira, misturada com bossa nova, uma relação intensa com o que já vinha acontecendo nos clubes ingleses e com o trip hop de Bristol, e nomes como Massive Attack.
Creio que o rock brasileiro não chama tanta atenção lá fora, mas outros gêneros sim, como soul, funk, bossa nova, Tropicália, MPB, fusion, boogie, AOR, música experimental e eletrônica. Samba, em sua forma mais ortodoxa, acho que não, mas aquilo que é chamado de “samba soul” e “samba jazz”, sim.
Você acredita mesmo que os CDs estão com os dias contados, como deu a entender em uma de suas lives? É isso mesmo? E sobre o hype do vinil, o que tem a dizer?
Penso que esteja com os dias contados para a indústria, no Brasil, pois os CDs dos grandes nomes do rock e do pop não estão mais sendo lançados por aqui. Mas acho que para os colecionadores os CDs continuam bem vivos. O problema é ter que importar, com o dólar nas alturas, o frete e todas as taxas.
O hype do vinil está durando mais do que eu imaginava. Pensei que seria algo passageiro, mas pelo visto está por aí há mais de dez anos. Acho bom para os artistas, que têm alguma opção em tempos tão escassos para a sua arte. É ruim apenas para caras como eu, que compravam LPs importados a um real nos anos 90... Mas é muito egoísmo ficar reclamando disso, então eu tento pensar o hype como algo positivo. Quanto mais gente consumindo música, melhor. Se forem jovens então, melhor ainda.
Você comentou em suas lives pelo Instagram (17, 18 e 19 de março) que pensa em uma nova seleção de 100 discos, a partir dos anos 2000, para um volume 4. Com os CDs, a oferta é enorme. Já teria um critério para essa abordagem, caso esse novo livro já esteja acontecendo em sua cabeça - isto é, caso você já o venha planejando?
O LSD 4 é uma ideia, pois quero trazer essa história até hoje, afinal esse foi o plano desde o início da série. No entanto, as dificuldades são tantas para um livro independente desse porte que não vejo possibilidade disso acontecer este ano, ou no próximo.
Já pensa em um próximo projeto, no que diz respeito a livros? O que seria?
Não, creio que não lançarei meu próximo livro tão cedo. Quero me concentrar agora na divulgação desse volume que acabou de sair, e também nos eventos e nos cursos online. Penso também em expandir a série para outras searas, além do formato livro, como algum documentário, ou mesmo uma série para TV, streaming, internet.
Para ir além
Lindo Sonho Delirante 3
de Bento Araujo
http://www.poeirazine.com.br/loja/
Renato Alessandro dos Santos
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