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Sexta-feira,
21/5/2021
20 contos sobre a pandemia de 2020
Luís Fernando Amâncio
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Já nem sei há quanto tempo estamos nessa pandemia. Entre subidas e estagnações na média móvel de mortes e tantas notícias ruins alternadas por notícias menos piores, a sensação é de estar no mundo de A Caverna do Dragão, vagando sem rumo. Só que o nosso guia deve ser o Vingador.
Um exercício “mata tédio” é relembrar a evolução de nossas buscas no Google ao longo dessa via crucis nacional: primeiro, nossa curiosidade foi localizar Wuhan no mapa; depois, assistimos a tutoriais sobre como fazer máscaras caseiras; com medo do tédio, pesquisamos as melhores séries para nos entreter na quarentena; e agora, sem a ingenuidade de outrora, procuramos promoções de máscaras PFF. Assim, seguimos em uma jornada que, para o país, parece longe de seu fim.
Há, todavia, formas mais interessantes de refletirmos sobre esse tenebroso período. Uma, bem prazerosa, é a leitura do livro 20 contos sobre a pandemia de 2020, organizado pelo jornalista e escritor Rogério Faria Tavares. A publicação é uma parceria entre o Grupo Autêntica e a Academia Mineira de Letras, atualmente presidida por Tavares.
O livro reúne autores mineiros de diferentes gerações e estilos. Estão entre eles Ana Elisa Ribeiro, Carlos de Brito e Mello, Frei Beto, Jacques Fux, Jacyntho Lins Brandão e Paula Pimenta, só para citar alguns. Nos contos, encontramos personagens que reconhecemos facilmente: a vizinha hipocondríaca, o senhor que nega o risco de se contaminar, os solitários que se sentem ainda mais enclausurados com o isolamento.
Por reunir esse grupo diversificado de autores, 20 contos sobre a pandemia de 2020 é um vigoroso instrumento de reflexão sobre esse momento inédito para todos nós. Como afirma seu organizador na apresentação do volume, a produção literária possui força “como estratégia de abordagem do Real e do Imaginário, como testemunha da História e espaço da Memória”. Por isso, o convite aos “vinte contistas mineiros para que fabulassem ‘a quente’ sobre a peste, na temperatura do momento, sem direito à visão serenada que talvez o futuro forneça”.
Reside aí o grande poder da palavra: humanizar aquilo que as estatísticas mostram com frieza. Os números assustam (e como!), mas as histórias contadas pelos autores do livro aguçam nossa sensibilidade para as minúcias da tragédia. Como a filha que vê a distância geográfica entre a sua casa e a de seu pai se tornar um abismo, no conto de Ana Elisa Ribeiro. Ou o abalo na dinâmica de uma tradicional praça, retratado por Carlos Herculano Lopes. E as dificuldades de uma mulher para acionar a assistência técnica de sua máquina de lavar, no texto de Eliana Cardoso.
Assim, as vinte histórias nos proporcionam fragmentos, pontos de vistas traçados com o apuro literário dos bons autores reunidos. A edição de 20 contos sobre a pandemia de 2020, aliás, é bastante cuidadosa, com uma diagramação competente, agradável aos olhos do leitor.
Recomendo, evidentemente, a leitura do livro. Narrar, como se sabe, é uma forma de organizarmos nossa existência, criando coerência entre os eventos que se atropelam sucessivamente. E, para enfrentar dias tão incertos, com a pandemia que abre covas de forma descontrolada e o cenário político tenebroso em que nos metemos (ou nos meteram?), é fundamental que não deixemos de existir.
Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte,
21/5/2021
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