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Terça-feira, 7/6/2022
Gramática da reprodução sexual: uma crônica
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 8200 Acessos


Depois do ato sexual realizado, ainda deitado na cama ao lado de minha parceira, coloquei-me a observar as formas do seu corpo. Num conjunto de toques carinhosos minha mão percorreu suas curvas, que iam da coxa ao quadril, da cintura aos seios e costas, além de apreciar ainda o rosto, os cabelos, os braços e a textura delicada da pele. Esses carinhos, agora, não eram de natureza sexual, mas da natureza da apreciação estética.

A observação da beleza do corpo feminino me interessava naquele momento também como especulação filosófica. A questão que me coloquei era: por que que Deus – Deus não, pois não acredito em Deus, sou ateu –, por que a Natureza criou um ser tão belo, com uma diversidade de formas sensuais que vão dos delicados pés à beleza de todas as suas curvas e dos olhos, da face, dos cabelos?

Com certeza, a base de tudo isso, eu pensava, estava no interesse da natureza em fazer com que a mulher se torne irresistível ao macho de sua espécie, buscando manter perene a própria espécie humana através do ato sexual que possibilitaria a reprodução.

O fato de as próprias mulheres se admirarem (e se invejarem) umas às outras, por sua beleza, prova que há algo de mágico – ou, insisto, de natural, de INSTINTO de reprodução – na constituição das formas femininas. O que está em jogo é atrair, despertar desejo, sendo o desejo apenas a forma que a natureza encontrou para que a espécie humana se perpetue.

O presente que a natureza deu aos homens como prêmio pela reprodução – e que depois se tornaria seu maravilhoso vício – é o prazer que os seres humanos têm durante o orgasmo.

Para isso, no corpo feminino a natureza desenhou o clitóris (zona erógena de maior sensibilidade da mulher), que durante a penetração é roçado pelo homem, desencadeando um prazer imenso que desce pela cavidade da vagina inundando a mulher de satisfação e do desejo pela penetração profunda para que a fertilização aconteça – ainda foi dado à mulher a possibilidade de orgasmos múltiplos, o que acontece em algumas relações sexuais.

Não há prazer na terra que se iguale ao da realização sexual e seu consequente orgasmo. Por isso, quando um homem busca sucesso ou a mulher, a beleza, o que eles querem é ter a possibilidade de ter o máximo de parceiros para a realização daquilo que primordialmente era apenas a natureza os presenteando pela reprodução e que, agora, tornou-se sua obsessão, o sexo.

E as mulheres, ao se enfeitarem - mais do que com o que a natureza já lhes deu de sensualidade, no andar, na delicadeza, nas formas voluptuosas -, buscam o consequente prazer que parceiros proporcionariam, mas buscam também, inconscientemente, instintivamente - e mais do que tudo - a reprodução exigida pela natureza, na forma de uma atração a ser produzida para capturar o macho.

A busca pela beleza absoluta, pelas mulheres, pelo corpo perfeito, não tem razões apenas sociológicas, mas está ligada ao instinto de preservação da espécie humana. Quanto mais belas, maior o interesse masculino pela cópula, que, inevitavelmente, assim pensa o instinto, levará à reprodução.

A disputa entre as mulheres na área da beleza se deve a esse instinto. Quem for mais bela, mais sensual, mais atraente leva a melhor na luta por manter a espécie em eterna reprodução.

O fato do capitalismo se apropriar desse instinto é visível, basta ver que não existem apresentadoras de televisão que sejam feias, a maioria dos contratos femininos nas lojas e empresas passa bela avaliação da beleza, e pela atração que o corpo feminino possa despertar nos consumidores.

Toda a mídia se apropria disso. As mulheres sabem disso e se vestem com mais ousadia ou reforçando sua beleza quando estão em busca de um emprego. Sabem o quanto isso pesa no seu currículo.

Isso não é maldade, apenas a luta instintiva pela preservação da espécie, que se perverteu em formas sociais de convívio e luta pela sobrevivência.

Me lembro de uma amiga que foi a uma entrevista de emprego e lhe dei carona até a empresa. No carro ela estava de jaqueta, tênis, e levava uma bolsa no colo. Antes de descer do carro para ir para à entrevista, retirou a jaqueta, deixando os ombros e costas totalmente à mostra, retocou a maquiagem, tirou o tênis e calçou o salto alto que trazia na bolsa.

Saiu do carro – outra mulher – encantadoramente sensual, pronta para conseguir seu emprego. E conseguiu. Tornou-se irresistível ao contratante.

Meses depois me contou que o seu chefe, um senhor de mais de 60 anos, disse que aumentaria seu salário se ela saísse com ele para jantar (apenas jantar?). Estava criada ali uma relação em que o instinto pesou mais do que outras coisas, o desejo pela sobrevivência de um e o desejo por prazer de outro, mas os dois guiados pelo instinto sexual, que não quer outra coisa que a reprodução - ali, obviamente, pervertida em interesses sociais de ambas as partes.

Existe um livro fantástico de um antropólogo chamado Desmond Morris: A mulher nua: um estudo do corpo feminino (Ed. Globo). No livro citado, os capítulos são divididos com o nome das partes do corpo da mulher: cabelos, testa, bochechas, boca, lábios, pescoço, braços, costas, barriga, pés, pelos púbicos, genitais, nádegas, pernas, pés etc.

O objetivo do livro é estudar esse corpo que comentamos acima, em suas peculiaridades físicas, sociais, antropológicas. Na moda, na arte, nas relações tribais e sociais, como é representado o corpo feminino, qual seu poder, como seu universo existencial se liga a essas partes do corpo? Nos interessa aqui apenas esse livro sobre o corpo feminino.

As análises do autor são sutis e interessantes. Veja-se, por exemplo, o que ele diz sobre os quadris: “Os amplos quadris da fêmea humana constituem um dos principais símbolos da silhueta feminina. Independentemente de a cintura ser estreita ou não, uma bacia larga emite a mensagem primitiva de que a mulher é capaz de gerar descendência. Só quando entra numa fase em que prefere a juvenilidade à fecundidade uma sociedade abandona o interesse pelos quadris largos e passa a valorizar uma aparência mais delgada e mais masculina.”

Aqui está uma percepção de dois elementos: 1) como uma parte do corpo serve a propósitos primitivos; e 2) como a cultura altera esses propósitos. O livro passeia pelas partes do corpo feminino e seus usos na história, na biologia e na cultura.

O balanço dos quadris, por exemplo, que é um movimento sensual, só é “permitido” pela natureza às mulheres. O design do corpo feminino o permite. Esse movimento ondulante dos quadris só aparece nos homens quando querem representar mulheres ou em homossexuais afetados, segundo Morris.

No caso das mulheres, serve como instrumento da natureza para ampliar o desejo masculino, quase que prenunciando os movimentos que acontecem durante a cópula quando a mulher se entrega ao prazer.

Esse encantamento pela beleza feminina é o que leva homens (e, agora, sabemos, mulheres também) à loucura, como no caso de alguém correr o risco de passar anos na prisão por causa de um estupro, que é a realização instintiva de um desejo irreprimível pelo belo, essa forma que a natureza encontrou para incentivar a preservação da espécie (já houve casos também de estupros de mulheres contra mulheres – ver no Google casos de lésbicas que o cometeram e foram denunciadas).

Quantas carreiras arruinadas por causa de uma simples (?) realização sexual, um gozo passageiro. A questão é que o animal dentro dos “seres humanos” não descansa nunca, por mais civilizada que seja a civilização, ainda em algum canto do mundo o instinto dominará alguém da espécie humana, pois ele, o instinto animal, não pode ser destruído. Reprimido sim, mas destruído não, como ensinou a psicanálise, que explica as perversões como o sadismo, o masoquismo, a violência, a sede de poder, os vícios (o vício do cigarro é a masturbação realizada por outros meios), etc., como resultado da “doença civilizatória” que é o preço que a mesma paga pelo recalque de seus instintos primitivos.

Voltando ao início dessa crônica, estava eu lá absorvido pelas formas femininas, admirando as curvas e contracurvas, os desenhos sinuosos, os abismos entre a cintura, a barriga e os seios, o torneado da coxa que dobrada ampliava os quadris de forma irresistível, tudo isso para meditar sobre o sentido da beleza na natureza. Esse encantamento que o corpo feminino produz como instrumento da natureza para incentivar, no fim das contas, a reprodução.

A Natureza é esperta, ou você pensa que o vício em café, devido à sua constituição química, não foi pensada por ela, para que multipliquemos a sua plantação, fazendo com que a espécie não desapareça?


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 7/6/2022

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