Tito Leite atravessa o deserto com poesia | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

busca | avançada
111 mil/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Ribeirão Preto recebe a 2ª edição do Festival Planeta Urbano
>>> Cia Truks comemora 35 anos com Serei Sereia?, peça inédita sobre inclusão e acessibilidade
>>> Lançamento do livro Escorreguei, mas não cai! Aprendi, traz 31 cases de comunicação intergeracional
>>> “A Descoberta de Orfeu” viabiliza roteiro para filme sobre Breno Mello
>>> Exposição Negra Arte Sacra celebra 75 Anos de resistência e cultura no Axé Ilê Obá
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
Colunistas
Últimos Posts
>>> Martin Escobari no Market Makers (2025)
>>> Val (2021)
>>> O MCP da Anthropic
>>> Lygia Maria sobre a liberdade de expressão (2025)
>>> Brasil atualmente é espécie de experimento social
>>> Filha de Elon Musk vem a público (2025)
>>> Pedro Doria sobre a pena da cabelereira
>>> William Waack sobre o recuo do STF
>>> O concerto para dois pianos de Poulenc
>>> Professor HOC sobre o cessar-fogo (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Cultura do remix
>>> Um Ano Feliz (!)
>>> História do Ganesha
>>> Reinventando clássicos
>>> No reino de Kapilavastu
>>> Menos que um, novo romance de Patrícia Melo
>>> Dois dedos a menos
>>> Cinema futuro: projeções
>>> Princípio ativo
>>> PFP
Mais Recentes
>>> Uma Igreja De Alto Impacto de Linus Morris pela Mundo Cristao (2003)
>>> Memórias de um Sargento de Milícias de Manuel Antônio de Aleira pela Ciranda Cultural (2010)
>>> Tibiriçá o boto de Ipanema de MarisaMokarzel pela Ftd (1988)
>>> O herdeiro de aranda de Julio Emílio Braz pela Saraiva (1997)
>>> Aos Trancos e Relâmpagos de Vilma Arêas pela Scipione (1988)
>>> O Quarto Poder de Paulo Henrique Amorim pela Hedra (2015)
>>> O Cortiço de Aluísio Azevedo pela Paulus (2005)
>>> Vidas Secas de Graciliano Ramos pela Record (2001)
>>> Critica Textual Do Novo Testamento de Wilson Paroschi pela Vida Nova (1993)
>>> Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis pela Scipione (2006)
>>> O caçador de Pipas de Khaled Hosseini pela Nova Fronteira (2003)
>>> Um gato entre os pombos de Agatha Chirstie pela Circulo do Livro
>>> Til de José de Alencar pela Escala
>>> O Homem Que Matou Getulio Vargas de Jô Soares pela Companhia das Letras (1998)
>>> Salmos 1 - 72, Introdução E Comentário de Derek Kidner pela Vida Nova (1980)
>>> Etica Pos Moderna (6º reimpressão) de Zygmunt Bauman pela Paulus (2013)
>>> Meninos Em Guerra - História De Amizade E Conflito Na África de Jerry Piasecki pela Ática (2011)
>>> Estudos Biblicos de Charles Gerber pela Ucb (1987)
>>> A Insustentável Leveza Do Ser (capa dura) de Milan Kundera pela Record/ Altaya (1983)
>>> Terramarear: Peripecias De Dois Turistas Culturais de Ruy Castro pela Companhia Das Letras (2011)
>>> A Guerra dos Tronos - As Crônicas de Gelo e Fogo Livro Um de George R. R. Martin pela Leya (2010)
>>> Gota d'agua - uma tragédia carioca - assassinou os dois filhos e se matou de Chico Buarque - Paulo Pontes pela Civilização Brasileira (1989)
>>> Locomotivas Articuladas: As Gigantes da Era do Vapor no Brasil de Eduardo J. J. Coelho pela Memória Do Trem (2003)
>>> Controle de Custos de Implementação de Projetos Industriais de Sérgio Conforto e Mônica Sprenger pela Taba Cultural (2016)
>>> Comida de Santo de Maria Helena Farelli e Nilza Paes da Silva pela Pallas (1987)
COLUNAS

Terça-feira, 28/11/2023
Tito Leite atravessa o deserto com poesia
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 4300 Acessos


Todo grande místico atravessou o deserto para purificar-se do mal. No caso do poeta, a coisa é diferente. O seu deserto (pecado?) é a vida ― e seus desvarios ― e o desejo de transformá-la em linguagem. Memento, homo, quia pulvis est in pulverem reverteris (Lembra-te, homem, que és pó e ao pó voltarás). Foi o que disse Deus a Adão (não em latim) depois do pecado original. O “Memento” de Tito, poema que aparece na quarta capa de seu livro A palavra em seu deserto, publicado pela Editora Clóe, aponta para o vir a ser, “O pássaro nasce e já é voo”, onde o eterno deslocamento ou des-territorialização da existência torna-se a matéria prima de sua poesia.

O livro A palavra em seu deserto é dividido em três partes, intituladas respectivamente: “A loucura é bilíngue”; “A lua guarda um segredo violáceo”; “Agora é o já e o ainda não”. Apesar da divisão do livro em três seções, não fica muito clara a sua razão, pois parece que o interesse central do poeta consiste sempre em transmutar suas experiências existenciais ou espirituais, ou suas dúvidas e descaminhos, numa construção poética sempre em crise.

Explico melhor. Vejamos o poema “O outro”, por exemplo. Seu andamento apresenta o drama rimbaudiano da persona do outro como sendo o si mesmo: “Eu sou o outro/ que me falta”. A questão é que o outro vive a condição trágica, ou seja, não aceita seu destino ― pois “são tantas coisas inacabadas/ que tiram meu sono”. E é essa condição que o faz cantar (poetizar): “Eu canto a ovelha/ e o lobo,/ a serpente que engole/ a própria cauda (...)// Eu canto o limo e o mar aberto, (...)// Eu canto o estrondo/ da trombeta (...) e o monge que titubeia/ entre o louco e o santo. (...)”.

A falta que constitui o sujeito torna-se o Outro do poeta, que o faz titubear entre a santidade e a loucura, entre a vida e o retiro do santo. O “sei voar e tenho as fibras tensas (...) enganando entre a dor e o prazer (...) mas meu coração de poeta projeta-me em tal solidão”, cantada por Caetano Veloso em sua bela canção "Peter Gast". Essa tensão criadora que existe entre a vida e a arte move o poeta Tito Leite.

A crise do Ser expõe-se sempre como crise da poesia e como crise do estar no mundo. Caso do poema “Secos & molhados”: “Ontem fiz um poema-onda:/ carregado por todos os ventos/ que me são conflitantes”. E já que o poema é onda, ele se forma e se esbate na areia num eterno retorno de se formar e se de(s)formar. O poeta só rompe esse eterno conflito deitando-se “numa cama/ de metáforas”. É sua reação diante da paralisia da existência nessa eterna roda sísifica que é a vida. Tornar-se poeta é retomar a rédea, sem no entanto solucionar o problema da vida. Resta-lhe a linguagem poética como prancha para surfar sobre essas ondas.

O poema “Porvir” dá a medida do mergulho nas águas salgadas ― a crise é o sal da vida: “quero sentir/ a cada momento/ o poema/ que deriva // do sal das águas/ que banham/ a minha alma”.

É interessante notar que a pausa que antecede “do sal das águas” é justamente de onde o poema “deriva” (ou estaria à deriva?). Ou seja, um desvio de rota por ventos ou correntes marítimas. Os vendavais da vida poderiam ser também a chave (ou imagem) para entender o que deixa o poeta à deriva.

Não causa espanto o fato de o poeta estar na vida e colocar-se, ao mesmo tempo, contra ela. A indomesticável liberdade da imaginação é sua alma. O poema “Natura”, assim como outros criados por Tito Leite, exemplificam essa tensão. Vamos a ele.

NATURA
Cavalos selvagens
em fuga do que é domesticável,

do que se afoga na finura
das moiras dos destinos.

As patas sangram.
Respirar sem ferraduras,

livre do peso de todo
animal que calcula.

Um dos poemas interessantes de Tito Leite é “Hausto”, palavra que significa aspiração longa, uma golada de ar, pode-se dizer. No poema, a condição de anjo caído se dá em razão da impossibilidade de constituição de uma relação dentro de alguma tribo, no caso específico a mais cosmopolita das cidades brasileiras, São Paulo.

Uma espécie de “Albatroz”, de Baudelaire, caído no coração da urbe. O “já não bebemos// da mesma vinha e nem/ dividimos o mesmo pão” instaura a tristeza no coração do poeta. Daí sua condição de anjo nocauteado que se estende a todos, pois o plural está presente em “como se fôssemos anjos/ nocauteados (...)”.

Ao cortar as relações, “cada nome [se torna] uma miragem”. A cidade fantasmagórica que se tornou São Paulo, como a Paris do poema “A uma passante”, de Baudelaire, tão bem comentado por Walter Benjamin, se faz presente em “Hausto”, condição das grandes cidades que nos aproxima e nos afasta ao mesmo tempo das pessoas, criando essa solidão cantada por Tito Leite.

E seja na grande cidade ou seja no claustro (lembremos que Tito Leite é monge), a tristeza se impõe, como no poema “Haicai”: “A paz deságua/ em pétalas de solidão:/ chove no claustro.” No fundo é a condição do criador, do poeta, do escritor, do artista enfim estar a um metro do mundo e a cem mil metros de altura dele.

Como na Eneida de Virgílio, a condição de exilado predomina: Litora cum patriae lacrimans portusque relinquo Et campos ubi Troja Fuit. (Deixo lacrimoso as praias da minha pátria, o porto e os campos onde Tróia existiu).

A condição gauche do poeta, indiretamente presente em muitos dos poemas, reafirma-se no verso “Uma pessoa fora do lugar”, do poema “Acaso”. É a partir dessa condição que as metáforas aparecem, para constituir os poemas, essas bugigangas verbo/lexicais criadas por Tito Leite: “Eu guardo bugigangas/ como quem constrói/ um acervo/ de pedras preciosas.” O bem mais precioso, no fim das contas, o poema, enfim existindo, é bem “Imaterial”, joia rara, como essas que Tito Leite criou.



Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 28/11/2023

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Querem acabar com as livrarias de Noah Mera
02. A nova queda da Bastilha de Gian Danton
03. Clássicos Personnalité: Erudito, Jazz e Choro de Rafael Fernandes
04. Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída... de Gabriela Vargas
05. Wikipedia: fama e anonimato de Fabio Silvestre Cardoso


Mais Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Jardel Dias Cavalcanti
01. Parangolé: anti-obra de Hélio Oiticica - 17/12/2002
02. Davi, de Michelangelo: o corpo como Ideia - 3/11/2009
03. Picasso e As Senhoritas de Avignon (Parte I) - 20/12/2011
04. Felicidade: reflexões de Eduardo Giannetti - 3/2/2003
05. O assassinato de Herzog na arte - 30/9/2014


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




High School of the Head
Sankakuhead
Panini



Allegiant
Veronica Roth
HarperCollins
(2013)



Curupiras, Sacis e Outras Criaturas Fantásticas das Florestas: Um Guia de Observação
Fábio Sombra
Rocco
(2009)



Artemis Fowl: O menino prodígio do crime
Eoin Colfer
Galera
(2011)



Livro O Grande Vazio
Norman e John Buffalo Mailer
Companhia Das Letras
(2008)



Segurança pública
Joelina Menezes
Ufs
(2009)



Qualidade de Vida na Infância e na Adolescência
Francisco Assumpcao Jr.
Artmed
(2010)



Portinari 90 Anos
Vários autores
Salamandra
(1993)



A Pluma do Diabo
Minette Walters
Bertrand Brasil
(2010)



O Canto da Sereia - um Noir Baiano - Autografado
Nelson Motta
Objetiva
(2002)





busca | avançada
111 mil/dia
2,5 milhões/mês