COLUNAS
Terça-feira,
16/4/2002
Juventude alquebrada
Bruno Garschagen
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Dia desses fui surpreendido por um colega de jornal com um questionário (que não é o do Proust). O cabra precisava de respostas para compor um trabalho da escola. Cursa o segundo ano do ensino médio. Reticente, fiz a ele mais perguntas do que ele havia me pedido para responder. Não é por nada não. É precaução simples e pura que a faculdade de direito nos cobra e vicia. Depois de devidamente respondido, respondi, de pronto, com a seriedade que Zeus me deu:
Na sua visão, como você, sinteticamente, faria uma análise do jovem de ontem?
Além de um dia mais velho, o mesmo pulha de hoje, com a vantagem de que no passado as drogas tinham mais graça, a inexistência de variados meios de comunicação obrigava-os a, pelo menos, ler o jornal, e não havia a desculpa de que a camisinha tinha furado.
E o jovem de hoje?
De certa forma, pior do que o de ontem, apesar de considerar o jovem, no geral, um pulha em qualquer época. O que fascina no jovem é, justamente, a juventude e a curiosidade em querer saber as coisas pelo simples desconhecimento. Quando adulto, vemos claramente que certas coisas são para não serem descobertas.
A fascinação pela juventude é algo efêmero, claro, até porque o elixir da longa vida ainda está para ser descoberto e o último que tentou ficar jovem para sempre envelheceu no quadro (leiam "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde).
Então, a juventude é algo que se esvai no tempo (perdoem-me o óbvio, mas, por vezes, é necessário esteticamente). É impossível conservar o vigor físico com o passar dos anos e as drogas que invariavelmente consumimos. A curiosidade e ingenuidade, geralmente, são características admiradas pelos adultos porque, não raro, perdem-nas em busca de uma pretensa responsabilidade chata. Então, o normal é crescer e virar um chato de galocha. Por isso, o alto consumo de álcool (droga com muita graça) e outras drogas menos sofisticadas (e, por isso, sem graça) entre a população adulta. Chega-se a um incômodo tal que se torna impossível suportar-se a si mesmo e a quem está em volta.
O que essas gerações têm em comum?
A vontade quase uníssona em conquistar a garota mais bonita da turma; perder a virgindade antes dos colegas (no caso dos homens); ficar com um garoto mais velho e de outra escola (caso das mulheres); parecer adulto; falar gírias; ser imortal e jovem, sempre.
Quais foram os conflitos do jovem de ontem?
Para determinar uma época, fiquemos na juventude dos anos 50 e suas perturbações quase existenciais:
1) Quando terei dinheiro para comprar uma Levi's?
2) Será que minha namorada será igual a Marilyn Monroe?
3) Será que meu topete será igual ao do James Dean?
4) Será que trago ou sopro a fumaça do cigarro?
E quais os conflitos do jovem de hoje?
1) Será que troco o cano de descarga da minha Biz?
2) Será que tiro o retrovisor da minha Biz?
3) Será que o pessoal da escola vai gostar da minha Biz?
4) Será que, finalmente, aquela gata lá da sala vai querer dar uma voltinha na minha Biz?
Qual é a parcela de culpa da sociedade que "vê o jovem como problema" e não abre caminho para ele ser do jeito que sonhou?
Apesar de não ter entendido bem a pergunta, vou elaborar uma resposta no mesmo nível, o que corresponde a falta de.
A culpa, se que é que existe, é pela necessidade de renovar a tropa de burros de cargas para o mercado de trabalho; inveja por ter crescido; esperança que ao atribuir responsabilidades ao jovem ele deixe de ser o chato que é; falta do que fazer.
Ascensão e queda de uma província capixaba
É difícil alguém da minha geração (1975) imaginar Cachoeiro de Itapemirim como a principal cidade do Espírito Santo. Nesta terra desolada culturalmente, com essa elite refrigereco e arquitetura feita a reboco, soa a gozação ouvir alguém dizer que o município manteve durante décadas o poder político, um reconhecimento intelectual e uma força econômica invejável nestes tempos em que o esvaziamento da economia é assunto recorrente quando daqui se fala. Mas a Cachoeiro do final dos anos 20, tinha comércio forte, serviços, agricultura em pleno desenvolvimento, pecuária, companhia de construção civil, cinemas e um banco fundado por cachoeirenses. E uma cena cultural tão viva que parecia levada à base de energéticos. É o que mostra o livro "Memórias de Cachoeiro de Itapemirim - Encontros com que viveu o século 20", do jornalista colaborador do caderno Prosa e Verso, de O Globo, escritor e biógrafo de Rubem Braga, Marco Antonio de Carvalho, que negocia com editoras cariocas o lançamento de sua obra para este ano.
Nas 25 entrevistas com personalidades que viveram as histórias do início do século passado, feitas entre 1994 e 1999 para a biografia de Rubem, Marco, um entrevistador refinado, conseguiu extrair confissões (como a de que Rubem namorou Tonia Carrero), desabafos (Nelson Sylvan: "sou o último integralista de Cachoeiro"), histórias curiosas (Roberto Carlos era levado pela mãe para Rádio Cachoeiro, onde iniciou sua carreira), engraçadas (Maninho Leal, soldado que foi à guerra na Itália, conta que os brasileiros gritavam que vinha tiro só para ver o general Dutra se jogar na lama), trágicas (a morte de duas pessoas no tiroteio entre comunistas e integralistas na estação ferroviária) e melancólicas (Hélio Atahayde: "quando volto a Cachoeiro, não encontro um conhecido nas ruas. Estão todos no cemitério ou em cadeira de balanço").
A que mais me comoveu nem trata da cidade. Foi com a irmã do Rubem, Yeda Braga, onde ela conta sua convivência com a intelligentsia do Rio de Janeiro, e o encontro com Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade entre outros.
Da música à política no início do século passado; do ambiente cultural no Rio e sua influência em Cachoeiro de Itapemirim; da convivência nada amistosa entre integralistas e comunistas; da personalidade de Rubem e Newton Braga; das bandas de música da cidade; dos bailes no Caçadores Carnavalescos Clube que ouriçavam a elite; os entrevistados falam de tudo, inclusive do porquê da importância da cidade no início do século 20. "Cachoeiro teve uma superioridade cultural no estado desde o final do século XIX. (...) Toda a região de Cachoeiro teve estrada de ferro, energia elétrica, telefone, antes da capital do estado. E Cachoeiro se ligou mais ao Rio que a Vitória. Vitória só se tornou uma cidade importante a partir dos anos 60", disse o cronista e romancista Ormando Moraes, um dos entrevistados.
Só ficou faltando no livro informações de alguns personagens citados, essenciais a quem não conhece esse período da história de Cachoeiro (como algumas datas e pequenas biografias de alguns políticos) e o corte de algumas perguntas que soaram repetitivas ao longo do trabalho. Mesmo assim dá gosto ler as indagações que obrigam o entrevistado a conceder respostas inteligentes (o que é raro no jornalismo daqui).
Trata-se de uma obra de leitura rápida, pela disposição em perguntas e repostas, mas fundamental àqueles que desejam saber como uma pequena cidade ao Sul do Espírito Santo conseguiu ascender e ruir de forma tão grave. Ou para o lamento inócuo ou para perceber que é possível um desenvolvimento econômico e intelectual íntegro numa terra aparentemente estéril. Cachoeiro de Itapemirim anda cheia de choramingas.
Eufemismo
Espirituoso é como chamamos o chato que pretende em cinco minutos, numa festa, se tornar um amigo de infância.
Máximas
Algumas das grandes descobertas, com o tempo, se tornam artigos tão óbvios que nos fazem duvidar dos gênios que as conceberam com a máxima simplista de que eles estavam à frente de seus tempos.
Bruno Garschagen
Cachoeiro de Itapemirim,
16/4/2002
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