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COLUNAS

Segunda-feira, 16/4/2001
Cinco Diálogos ao Menos
Paulo Polzonoff Jr
+ de 3600 Acessos

Literatura se faz de diálogo. E crítica literária ainda mais. Num desses Perhappiness da vida (para quem não sabe, Perhappiness é o nome do evento que, todo ano, em agosto, reúne certa nata da literatura brasileira para, de uma forma ou de outra, louvar, e só louvar, a obra de Paulo Leminski), a simples proposta de uma leitura crítica da obra de Paulo Leminski encontrou na platéia ecos de desacordo, principalmente entre pessoas de cobras na cabeça, xiitas literários que não podem nem querem ver seu ídolo dissecado pelo bisturi sério de uma leitura que o proponha de uma vez por todas a canônico ou a simples nome de palco para shows de rock em Curitiba. Eis a proposta deste texto, ou seja, introduzir algumas dúvidas e nenhuma certeza sobre a obra do poeta que, em sua tumba, todos os agostos, rola e dança a macarena ao ver seu nome atrelado a tamanho desvario crítico, tamanha cegueira. Afinal, qualquer poeta, bom ou ruim, quer é ser discutido. Por mais peçonhento que lhe pareça o texto abaixo, ele é minha homenagem a este judoca (ou carateca?), boêmio,professor e - quem sabe - poeta.

De qualquer forma, entre silêncios laudatórios e gritarias oposicionistas, a Record deve lançar, no próximo ano, a biografia de Paulo Leminski, escrito por Toninho Vaz, jornalista da terra.

1. Poeta & Poeteiro

Há mais de 2000 poetas "estocados" num site chamado Jornal da Poesia. Dois mil poetas. Gente de lavra fértil e boa, como Manuel Bandeira e João Cabral. Outros desconhecidos que versejam nas noites frias de sábado, provavelmente como passatempo. São dezenas de milhares de poesias, milhões de versos que ninguém jamais lerá simplesmente porque a poesia tal qual a conhecemos em arte maior, com Dante, Shakespeare, Baudelaire e Walt Whitman, esta poesia morreu.

Mas morreu primeiro o poeta. Esta palavra já não designa coisa alguma. Todos são poetas nas noites de paixão ou quando bêbados ou ainda quando sob efeito de alguma substância alucinógena. Eu mesmo, aos treze anos, tinha mais de duzentas poesias que produzia três vezes ao dia, após as refeições. Era, pois, poeta? Dizer que sim me igualaria, apenas por um designativo moribundo, que estou ao lado de gênios como Shakespeare. Sou poeta porque um dia sentei-me em frente a um computador e decidi escrever que o mundo não valia a pena, como todo adolescente escreve?

A inexistência hoje de uma palavra verdadeira para descrever aquele que verseja deve-se a vários fatores, dos quais aqui apenas aponto um ou outro. Uma bela estocada no designativo "poeta" foi o desregramento continuo que a poesia enfrentou ao longo dos séculos, principalmente neste último, com a necessidade libertária que presumia, por lógica, a supressão de métrica e rima, por exemplo. Claro que o desregramento era uma evolução que pressupunha ao "revolucionário" o conhecimento daquilo que destruía. Desconfio de poetas libertários que não sabem escrever um sonetoalexandrino.

Outro sintoma é de caráter mais subjetivo, afinal, o poeta acabou sendo um personagem mítico que todos os homens, adolescentes principalmente, queriam compartilhar. Apesar de que foram poucos os adolescentes que produziram boa poesia. Rimbaud e nosso Álvares de Azevedo são as exceções que confirmam a regra de que poesia é, em suma, arte de maioridade.Como, de resto, toda arte.

Nos anos 60 a poesia começou a morrer, penso que por overdose. Some-se a isso a influência absurda da música na poesia (e não o contrário) e o surgimento da TV com seus poetas de carne-e-osso-e-vaidade e versos que faziam qualquer dona-de-casa chorar para se chegar ao panorama estéril de hoje.

É claro que ainda existe gente que produz versos de qualidade. Bruno Tolentino é um deles; Affonso Romano de Sant'anna outro. Quem mais? Quem mais?

Há aqui em nossa cidade um cubículo onde se reúnem os poetas de ocasião para mimeografar suas lavras e, vez por outra, lançar um livro que ninguém lê porque nada se tem a dizer. É uma versão in loco do site com mais de dois mil poetas que citei. O sonho deles é ser um Paulo Leminski. Cujo sonho, por sinal, era ser umpoeta.

(Se poeta for o termo exato para defini-lo).

Certa vez, numa crítica à obra de Jorge Wanderley, disse que Jorge Wanderley, poeta, era mais um na nossa constelação de mais de mil vias-lácteas. Por fazer poemas, lhe caberia mais um sufixo de artífice, como a todos os que, como ele, crêem no poema como expressão de suas pequenas verdades. Chamemo-lo, pois, poeteiro, que nada tem de pejorativo. Há quem padeira e é padeiro; quem constrói e é pedreiro; quem corta e suja-se de sangue e é açougueiro; e quem arrisca-se à poesia e é, por ora designado, poeteiro. O mesmo servepara Leminski.

2. Curitiba

Curitiba é uma cidade oficial. Tudo o que se produz aqui em matéria de cultura tem de ter o aval da oficialidade para ser tachado de bom. Ou ruim. Não é um fenômeno moderno, como podem pensar os que já viram atiçados os cabelos da oposição. O fenômeno é cultural e antigo. Ilustra muito bem nossa necessidade de oficialização das artes o poeta Emiliano Perneta, coroado, no início deste século - é, do século XX! - o Príncipe dos Poetas Paranaenses, com direito a toga grega e ramo de louros na cabeça no Passeio Público. Pensemos algo mais em Emiliano, que é tido como poeta simbolista. Esta Escola nasceu na França e teve entre seus expoentes máximos Baudelaire, Verlaine e Rimbaud. Isto em meados do século XIX. Com algumas décadas de atraso chegava a estas plagas de araucárias o tal do Simbolismo, incorporado por cem por cento dos poetas da província, dentre eles Emiliano Perneta. Que não é citado em nenhum cânone sério da poesia brasileiraneste século.

Mas Emiliano, oficial, tornou-se de repente nosso Cruz e Souza, a quem temos de reverenciar como símbolo de uma cidade que também produziu seu gênio. Ainda que um gênio estritamente local. Precisou-se que, na década de 40, um garoto chamado Dalton Trevisan nos apontasse o dedo e nos mostrasse a mediocridade de EmilianoPerneta & Cia.

E há ainda quem relute.

Depois que morreu Emiliano Perneta e o Simbolismo de vez foi enterrado (sendo substituído pelo positivismo, mas isto é outra história), vivemos celebrando poetinhas e escrevinhadores de nenhuma expressão. Até que tivemos nosso quinhão de sorte e parimos, sabe-se lá como, Dalton Trevisan, o qual, sabiamente, recusou a oficialidade de escritor curitibano e universal por excelência. Recluso, virou vampiro que ninguém deixa em paz. Mas ainda assim é possível pensar em Dalton Trevisan como uma espécie de "negação oficial daoficialidade".

Eis que, na década de 70, surge Paulo Leminski, disposto, ao que parece, ser nosso poeta oficial para sempre, assim uma espécie de reencarnação de EmilianoPerneta.

O que deveras é.

3. Adultescência

O que impera na admiração laudatória a Paulo Leminski é algo cunhado já como neologismo consagrado (sic) e que define duas idades que se entrelaçam: a adulta e a adolescente. Adultescente seria o produto desta mescla que, pode-se afirmar, é problemática, porque de uma forma ou de outra impede níveis diferentes de vida. O adultescente é o homem adulto que jamais conseguiu sair de seu mundo ainda primitivo de adolescente. Digamos que seja um homem na "idade da razão", mas que viva ainda na "idade da paixão". A poesia de Leminski é passional é propositadamente, acho, apaziguadora destes conflitos adolescentes. Não é à-toa que o poeta agrade tão mais aos púberes de espírito. O que, a priori, não é nenhum defeito monstruoso, e sim sintoma de uma mitificação mal resolvida.

A poesia de Paulo Leminski é fruto dos anos 70, conquanto tenha ela sido reconhecida mesmo na décadade 80.

Estava em voga, à época, a poesia marginal, mimeografada ou feita com "carimbos" improvisados em solas de havaiana. Prezava-se o poeta maluco-beleza - ao modo, quiçá, de um Byron moderno. Além disso, toda essa poesia de inspiração suspeita sofreu influencias "sujas" do movimento beatnik americano e, claro, dos hippies. A obra de Leminski, assim, se confunde com um era de permissividade - palavra esta muito apropriadaa um espírito juvenil.

Só a permissividade irresponsável, sem caráter revolucionário, permite a "escrituração", por exemplo, de Catatau, livro que sofre da "angústia da influência", para usar uma expressão de Harold Bloom, de um sem-número de autores modernos, desde Joyce e Rosa, os mais evidentes, passando por Pound e até por escritores menores, como John Fante e Bukowski (estando este último presente, de forma ainda mais angustiante, em Agora é que são elas).

Na obra poética a ser considerada, critico a idéia de liberdade in extremis proposta por Leminski com seus poemas em inglês e francês e poemas discursivos de melodia escassa ou ainda nos seus poucos poemas de aspirações concretas. Falta certo regramento, cuja necessidade foi apontada quando o poema começa a se desregrar, por Rimbaud. O desregramento do poema é, de certa forma, sintomático de um desregramento da vida. O quanto isso é válido como frase de auto-ajuda é questionável; literariamente, porém, o desregramento proposto numa mesa de bar, entre um que outro golpe de caratê (judô?) pretende, por certo, a afirmação de uma inspiração que só a paixão de uma acne por outra podeconceber.

4. Paradoxo

O paradoxo de uma análise dos poemas de Leminski são seus haicais. Esta forma oriental de poeta não encontra similar entre nossas formas de expressão poéticas por um motivo muito simples: a poesia oriental é toda ela ideogramática. O que houve com o haicai tupiniquim foi a tentativa de um regramento (eis o paradoxo), estabelecendo-se métricas para os três versos do haicai. Métrica esta que, hoje em dia,também foi para o espaço.

Basta que sejam três os versos e será um haicai. Céu e inferno de Leminski, o haicai tornou-se praga. Por algum motivo que não compreendo, apreendemos de súbito a ideografia oriental e o haicai tornou-se, assim, nossa forma poética por excelência. Minha teoria (e nela não há mais do que subjetivismo) é de que o haicai, ao contrário do soneto, exige muito menos esforço intelectual. E, por se aproximar com perigo de uma linguagem cifrada e muitas vezes telegráfica usada pelos adultescentes, torna-se poesia per se, não sendo jamais.

A pergunta que faço é: o quão perniciosa foi a inclusão desta forma estranha de fazer poesia à nossa língua? E, no mar de haicais de hoje, quais são - se há, claro - as possibilidades de reverter este quadro de mesmice em três versos? Leminski, ao que me consta, conhecia chinês e/ou japonês e era exímio conhecedor da filosofia que há por detrás do haicai. Por que então seu legado maior foi o empobrecimento do haicai como forma alternativa de regramento?

5. Mito do Maldito

Contribui para solidificar Paulo Leminski mais como um mito do que um poeta de honras literárias o fato de sua morte, em 1989 (todos sabem em decorrência de quê), e de uma imagem falseada do poeta inato, capaz de rabiscar a obra-prima na mesa do bar. A década de 80 foi coroada por um niilismo forte, exemplificado nas obras de Caio Fernando Abreu e Ana Cristina César (esta outra "dúvida" poética), todos mortos, alguns "suicidados". Alimenta-se o mito, ainda, com a aproximação de Leminski com a música tropicalista e a (arght!) poesia concreta. Caetano e os irmãos Campos e Décio têm força para ditar o que deve ser ou não lido no Brasil, e, ao que me parece, assim o fizeram (fazem?) com Leminski, como se o lobby curitibano para alçá-lo à condição de gênio não fosse suficiente.

Concluo essas cinco possibilidades de diálogo dizendo que é de uma mediocridade medrosa dizer que só o tempo dirá se Paulo Leminski é ou não gênio digno de um lugar no cânone. Mesmo porque o tempo, em matéria de literatura, fazemo-lo nós, leitores (inter)ativos com a obra proposta. Não há de haver veredictos; o que é preciso é sins e nãos - e principalmente talvezes - que desfaçam essa aura de intocabilidade que só é prejudicial ao poeta(eiro) Paulo Leminski.


Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 16/4/2001

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