COLUNAS
Quarta-feira,
24/4/2002
Do Luxo ao Lixo
Rennata Airoldi
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A vida nos prega peças o tempo todo. E também por isso ela é tão surpreendente e maravilhosa. Esta afirmação pode parecer contraditória diante do título de minha coluna, que a princípio parece um pouco "deprê" ou amargo. Não é nada disso; sempre falo que a realidade é quem ensina, sendo ela muito boa ou nem tanto assim. A vivência é o que importa. O que fica em cada centímetro de nossa pele: cada arranhão, cada ruga, cada lágrima que escorre, cada sorriso que brota sem medo... É assim que nossos momentos bons e ruins se somam e fazem de nossas vidas esse pulsar incessante e quase infinito. É o sangue que corre em nossas veias, que esfria num susto e que aquece, que ferve num orgasmo... Não importa, o que vale na vida é ser feliz.
É buscar incansavelmente tudo aquilo que nos faz sentir parte deste mundo e parte de tudo o mais que não sabemos explicar. Pausa... Desculpem-me se "viajei" demais nas minhas filosofias, mas tudo faz parte de uma breve introdução que tive de fazer antes de falar sobre uma experiência pessoal. Calma, não vou falar nada assustador, nem transformar esta coluna numa terapia em grupo. É só uma idéia, que um certo "alguém" me deu ( coloco assim pois ele saberá identificar isto), a partir de uma conversa que tivemos há alguns dias por telefone. Os que já acompanham minha Coluna sabem que sou atriz. Aos que são marinheiros de primeira viagem, uma saudação: muito prazer, meu nome é Rennata Airoldi e sou ATRIZ.
Aqui começa meu assunto propriamente dito. Bem, ultimamente, devo dizer que nosso "pseudo-mercado" está uma lástima. Pouco trabalho, muitos intrometidos e muitos atores desempregados na geladeira, ibernando num longo e tenebroso inverno... Eu sou uma dessas pessoas. Uma atriz desempregada com muitos projetos na chocadeira, por falta de patrocínio, ajuda financeira e estrutural. Até aí, sou só mais um entre milhões de desempregados neste País.
Assim é preciso ter jogo de cintura e criatividade para correr atrás do prejuízo. Então, como muitos de meus colegas, comecei a fazer "bicos" como garçonete. Não num restaurante específico mas em uma empresa que promove eventos, coquetéis, festas, etc. É um trabalho braçal e ao mesmo tempo muito interessante. As pessoas que trabalham com você a cada festa ou evento mudam. Sempre têm histórias diferentes e parecidas com a sua. Uma jornalista, um fotógrafo, um estudante, e por aí vai. Todos em busca de algum troco a mais. A verdade é que é um trabalho bem cansativo: bandejas pesadas, muitas vezes bêbados e pessoas mal educadas a serem servidas, homens engraçadinhos, ou seja, uma enorme fauna e flora a ser explorada. Posso pensar pelo lado positivo que é uma experiência maravilhosa, inclusive para a pesquisa de "personagens".
Não significa que eu vá sair por aí, a cada festa, anotando as figuras que conheço, mas o trabalho do ator faz parte do ser humano, e da observação do mesmo em seu meio de ação. Claro que eu gostaria de estar num palco e não servindo as pessoas, mas há que se fazer certos acertos a fim de que a vida prossiga e o sonho não se perca. Confuso? O que quero dizer é que quando somos apaixonados por aquilo que fazemos, coisas menores, certos "sacrifícios" fazem parte. (Plagiando horrivelmente o a mais nova celebridade brasileira, Kléber Bambam...)
Na verdade, nós atores estamos sujeitos a muitos altos e baixos no decorrer de nossa carreira. O outro lado desta história vem agora. Numa mesma semana em que trabalhei como garçonete, fui com uma amiga a uma festa como convidada. Era o lançamento de um carro, com promoção de uma rádio famosa. Nessa festa, somente a nata das celebridades da mídia, e alguns anônimos (como eu e minha amiga). Nessa festa haveria também um show do Cidade Negra. Tudo estava muito engraçado, pois é surpreendente o teatro das pessoas diante das câmeras ligadas. Eu já me sentia um pouco cúmplice dos garçons que passavam com as pesadas bandejas de canapés.
Então fiz um comentário para minha amiga: "Vê só, ontem servindo, hoje sendo servida... é a vida!!!" Assim, estávamos nos divertindo nessa incrível boca livre regada a bebidas e canapés. Tudo corria muito bem quando, de repente, a grande surpresa... Eles chegaram!!! Uma multidão aglomerava-se: fotos, câmeras, luzes, seguranças. O tumulto estava armado e... para quem? Para o presidente? Não! Para o pessoal do Big Brother!!! Pode? Então eles se dirigiram às suas mesa, como se fossem grandes celebridades, acenaram para as pessoas como se fossem pop stars. Na volta, muitos seguranças, afinal eles são a bola da vez! (Desculpe se alguém for "fazer careta" enquanto lê esta Coluna, mas me deu vontade de vomitar. Foi bem essa a sensação. Acho que o resto nem é preciso comentar, seria muito redundante...)
Meu consolo, e de muitos que buscam um sonho, é que: quem sabe o que quer constrói um caminho, um alicerce, no qual erguerá sua casa, concreta, firme, de estrutura inabalável. Assim, por mais que, às vezes, tudo pareça estático, sem saída, sem uma luz no fim do túnel, não passa de ilusão. Tudo se move o tempo todo, mesmo quando não prestamos atenção. O importante é seguir sempre, e saber encarar as dificuldades com muito bom humor e criatividade. Como diz o sábio ditado popular: "O que é do homem, o bicho não come!"
Rennata Airoldi
São Paulo,
24/4/2002
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