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Quarta-feira,
29/5/2002
Ritual em Cena
Rennata Airoldi
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No início, o teatro era só ritual. Aos poucos, as técnicas, os estudos, os textos, a representação da vida e do seu cotidiano, o distanciou desse ponto de partida. Às vezes, porém, há aqueles artistas que buscam nos elementos, nas entidades sobrenaturais, uma forma de construir um espetáculo mais próximo do rito do que da vida. É um trabalho difícil, minucioso, exaustivo e, muitas vezes, pouco entendido racionalmente. Por outro lado, é através das sensações e dos sentidos que traduzem-se coisas que não somos capazes de exprimir em palavras.
"Campo de Trigo" é o espetáculo solo do ator Davi Taiu, tendo apenas Carlos Gaúcho como músico convidado. A peça é construída a partir de textos de Antonin Artaud, Ésquilo e Jörg Rasche. O ponto de partida está no mito de Prometeu, titã castigado por Zeus, através do qual se faz uma reflexão sobre a condição humana. Também sobre o sentido da vida e do homem neste mundo tão cheio de hipocrisia e vaidade. Assim, em sua busca, Davi traz para a cena o "homem espiritual", meio "Deus", enfim, uma entidade.
Como em rituais xamânicos, a peça compõe a cena com elementos naturais: fogo, terra, ar e vinho (em vez de água; aliás, muito utilizado em rituais e festas da Grécia Antiga). O interessante aqui é que a construção do personagem vai muito além de um outro alguém a ser representado. Com referências do "Butô", toda a movimentação cênica e as palavras pronunciadas assumem um tempo e uma dimensão não convencionais. É preciso despojar-se do cotidiano para instaurar o ritual.
A trilha sonora tem como objetivo transportar ainda mais o espectador para o ambiente "ritualístico". São cânticos hindus, indígenas, e africanos (sons de percussão, utilizados por esses povos em seus sacrifícios). Tudo isso somado faz com que a platéia participe não de uma peça de teatro, mas sim de um ritual de transmutação.
É incrível assistir a uma "entidade" em cena! O ator se transforma realmente em um outro ser ligeiramente indefinido, meio fora da Terra. Na verdade, é muito afirmar algo sobre uma coisa que transcende o que é concreto, paupável. Talvez eu possa arriscar em dizer que temos aí uma volta ao princípio. Quando o homem ainda se sentia um pouco "Deus". Quando os fenômenos naturais interferiam diretamente na vida do homem, sendo os mesmos tomados como provocação ou castigos divinos.
Não se trata de um espetáculo religioso; longe disso. É poesia, é vida. Além de ter "Prometeu Acorrentado" como fio condutor da história, o espetáculo conta com textos magníficos de Artaud, que trazem a referência a Van Gogh. Segundo Davi "ambos prometeus modernos, sacrificados por terem dado à humanidade o fogo da arte e da sobrevivência".
Para ir além
O espetáculo "Campo de Trigo" estará em cartaz na próxima sexta-feira e no próximo sábado à meia-noite, no Teatro Eugênio Kusnet, antigo Arena, na rua Teodoro Baima, 94. O telefone para contato é: 3256-9463. Os ingressos custam apenas R$ 5,00!
Programa Gratuito
Todos os que freqüentam os teatros de São Paulo devem estar acostumados à possibilidade (que há muito existe) do entretenimento gratuito. Falo aqui de uma das boas iniciativas da cidade que é o Teatro Popular do SESI, sempre promovendo espetáculos gratuitos com alta qualidade artística. Desta vez, para os que ainda não viram, o SESI traz para a cena um texto de Gilberto Dimenstein e Heloisa Pietro: "Mano", adaptado e dirigido por Naum Alves de Souza. A peça é voltada para o público juvenil que fica "elouquecido" a história de Mano, seu irmão e sua turma. Com um apelo totalmente adolescente. Em cena: muitas gírias e muito "rock'n'roll". Isso sem perder o lado didático e educativo, muito importante no caso desse projeto.
Sem dúvida, vale à pena assistir; e, para tanto, não é preciso pagar nada, só estar com certa antecedência na bilheteria do teatro, para retirar os ingressos. A peça, que fica em cartaz até o final do mês de junho (sábado e domingo às 15hrs.), é um ótimo entretenimento para adultos também.
O Teatro Popular do SESI fica na Av. Paulista, 1313 (metrô Trianon).
Visite também o site www.manoamano.com.br
Rennata Airoldi
São Paulo,
29/5/2002
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