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COLUNAS
Sexta-feira,
28/6/2002
O apocalipse anunciado nas estrelas
Gian Danton
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Em 1681 Increase Mather, presidente do Havard College, emitiu um sermão cujo
título era "Alarmes celestes para o despertar do mundo ou um sermão em que
se argumenta que os terríveis sinais e aparições celestes que agora vemos
são prenúncio de grandes calamidades". O objetivo do sermão era fazer com
que a congregação se arrependesse de seus pecados, pois os sinais celestes
do fim, de acordo com profecias de textos bíblicos, de Ezequiel a Zacarias,
já estavam nos céus.
É justamente essa relação entre os fenômenos astronômicos e as profecias de
apocalipse, tanto na ciência quanto na religião, que Marcelo Gleiser
pretende investigar em seu livro, "O fim da Terra e do Céu".
Exemplos não faltam. O próprio Mather relaciona vários. Segundo
Cometography, uma coletânea de todos os cometas observados, publicado em
1683, uma estrela ardente foi vista nos céus, trazendo um terremoto,
guerras, peste, escassez absoluta e a morte de um imperador e um papa. Isso
no ano de 984.
Em 1005, a aparição de um cometa foi seguida de uma terrível epidemia de
peste que persistiu por três anos. Em alguns locais, segundo Mather, algumas
pessoas tombavam mortas enquanto cavavam sepulturas para enterrar seus
mortos.
Até a era moderna a maioria das pessoas relacionava a aparição de cometas
com eventos trágicos. Esses eventos celestes eram enviados por Deus para
comunicar sua ira aos pecadores. Assim, até mesmo para cientistas como Isaac
Newton, os cometas eram fenômenos sobrenaturais e não naturais.
Na Idade Média, pouco depois do ano 1000, os fenômenos astronômicos foram
encarados como indícios de uma nova era. De fato, uma série de modificações
tinham início.
A expansão do comércio fez com que um grande número de camponeses migrasse
para as cidades, provocando uma rápida degradação das condições higiênicas
nos burgos.
Foi quando surgiu a epidemia de peste bubônica. Vinda possivelmente da Ásia
e se alastrando facilmente pela cidades européias em decorrência da falta
total de saneamento e de higiene pessoal, ela matou um terço da população
européia, 25 milhões de pessoas, ficando conhecida como peste negra.
Os cadáveres se acumulavam mais rapidamente do que era possível
enterrá-los. Os cadáveres eram recolhidos por carretas puxadas por burros.
Os gritos de "Tragam seus mortos" eram o som mais ouvido nas cidades
européias da época.
Não faltaram, então, pessoas que identificassem no céu sinais de que a
peste era uma punição divina. O cronista Giovanni Villani escreveu em 1348
que a peste se devia ao aparecimento de um cometa na constelação de Virgem.
Os indícios de que se tratava do fim do mundo aumentou em muito o número de
flagelantes. Esse grupo de fanáticos religiosos havia surgido em 1260, na
Itália. Para eles, o fim estava próximo e a única forma de fugir do castigo
inexorável era através da dor física auto-imposta, necessária para a
purificação da alma. Centenas, às vezes milhares de pessoas vestidas com
túnicas brancas com enormes cruzes vermelhas estampadas atrás e à frente
chegavam em um vilarejo incitando os moradores a seguirem o cortejo caso
quisessem ser salvos das chamas do inferno. Ele então faziam um círculo na
praça principal e davam início a um ritual de autopunição, utilizando
chicotes de couro com dentes de ferro, que faziam o sangue jorrar das
feridas abertas.
Na época da peste as feridas dos flagelantes aceleravam ainda mais a
disseminação do bacilo assassino.
Marcelo Gleisser, doutor pelo King College (Inglaterra) e professor de
física e astronomia no Dartmouth College (EUA) coleciona em seu livros
diversos casos semelhantes e tenta uma explicação muito próxima da
antropologia e filosofia.
Para ele o ser humano é assombrado pela consciência de que sua existência
terá um fim.
Todos os nossos esforços têm sido no sentido de driblar essa
irreversibilidade do tempo e nos tornarmos imortais. Todos fazemos algo que
preserve nossa breve presença nessa existência na memória das pessoas.
Alguns têm filhos, outros elaboram teoremas matemáticos, outros escrevem
textos na internet...
Segundo Gleisser, nos rituais religiosos, por exemplo, nós procurarmos
imitar Deus na tentativa de ser como ele e compartilhar de sua imortalidade:
"Quando suspendemos a passagem do tempo, quando nos tornamos imortais como
os deuses, a vida e a morte passam a coexistir, e os mortos podem então
caminhar ao lado dos vivos. Para isso criamos o infinito e o eterno,
dedicando-nos de corpo e alma à nossa fé, qualquer que ela seja. A fé
consola e justifica".
Como resposta à fragilidade e transitoriedade da vida humana, nós voltamos
nossos olhos para o céu. Se os deuses falam através dos corpos celestes,
descobrir a forma como esses agem é decifrar a linguagem dos deuses. "De
Platão a Einstein, muitos dos maiores filósofos e cientistas de todos os
tempos dedicaram-se ao estudo dos céus, não apenas por razões práticas, mas
numa tentativa de elevar a mente humana para aproximá-la do Criador",
escreve Marcelo Gleiser.
O resultado dessa busca ao mesmo tempo maravilhosa e aterradora, o leitor
confere no livro de Gleiser.
O FIM DA TERRA E DO CÉU, de Marcelo Gleiser
Editora: Companhia das Letras
Gian Danton
Macapá,
28/6/2002
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