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Terça-feira, 16/7/2002
O físico subversivo
Bruno Garschagen
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Quando tinha nove anos seu professor de grego no Luitpold Gymnasium disse-lhe na frente da classe inteira que nunca chegaria a ser coisa alguma na vida. Chegou a ser considerado lento na escola. Seus colegas o chamavam "biedermeier", nerd para nós. Foi esse garoto, tido como impudente, nascido em Ulm - cidade da região no extremo sudoeste da Alemanha conhecida como Suábia - que se transformou no pensador que derrubaria a maçã de Isaac Newton e mudaria a face quase enrugada da história da física. Albert Einstein (1879-1955), o contestador da teoria tradicional; o físico libertário que queria ser estudante por toda a vida; o mundano, namorador e sedutor; o homem desajeitado que perseguia na filosofia os segredos da física; o sujeito que renunciou a cidadania pela opressão sofrida na escola e sociedade alemãs; o cérebro movido a café e tabaco que forjou a famosa e inexplicável teoria da relatividade; a personalidade que recebeu o Nobel em 1922.

A formação intelectual do físico que distribui afagos e uma língua aos holofotes torna instigante o livro "Einstein apaixonado - Um romance científico" (Editora Globo, 524 páginas), do jornalista norte-americano Dennis Overbye. Como uma senhora paciente, Overbye vai cozendo os tapetes de lã, que pavimentam a construção do pensamento do grande gênio da física até seus 40 anos de idade. Delineia com delicadeza, o homem imperfeito que buscava a perfeição nos números, com base em centenas de cartas até então livres da violação dos biógrafos anteriores. Ao invés de mitificar o símbolo de cabelos desgrenhados e semblante fraternal, o jornalista recompõe o esforço intelectual do garoto, do jovem e, depois, do adulto, cuja capacidade acima do normal para lidar com ciências exatas dava às mãos a incapacidade de manusear seu cotidiano e uma atitude quase cruel com algumas mulheres que o amaram.

Mesmo assim, Einstein sabiamente construiu um círculo de amizade fundamental no desenvolvimento de suas teorias e na reorganização de seus fracassos. O físico que hoje nos parece um semi-deus nascido pronto foi elaborado sobre uma mistura heterogênea de cientistas, matemáticos, astrônomos, outros físicos, e a custa de muito, muito esforço. Os olhos escuros e luminosos cheios de determinação e uma forte inclinação para a insolência guardavam uma personalidade superior que tombava sob encantos seus interlocutores. Nada escapava ao seu olhar aguçado.

Quando saiu de casa para estudar, livre do cabresto das convenções, a atitude de Einstein para com o mundo era a do filósofo que ri, e a sua zombaria espirituosa, observou Overbye, fustigava qualquer presunção ou afetação. Exercia um humor dificilmente compartilhado pelos outros alemães. Aproveitava as oportunidades que as conversas nos cafés ou em casa lhe abriam para pespegar alguma observação satírica. Desabrochou cedo. Aos dois anos e meio, na expectativa de ganhar um brinquedo, exigiu da mãe saber por que a irmã recém-nascida não tinha rodas. Já adulto, escreveu um postal ao amigo Georg Nicolai, em plena Primeira Guerra, com a inscrição "A união faz a força" logo acima dos retratos do kaiser, do sultão da Turquia e do imperador Franz Joseph, os cabeças das chamadas Potências Centrais. Numa outra carta, ao amigo Michele Besso, Einstein se desculpava pela demora em dar notícias. "Mas agora - uma vez que o sabá das bruxas em Bruxelas já passou - serei senhor de mim mesmo de novo, a não ser pelos meus cursos", escreveu, referindo-se a um congresso científico sobre o problema quântico realizado na cidade belga.

Desde novo o jovem Albert Einstein tinha ambições Intelectuais. Filho de Pauline e Hermann Einstein, aos 12 anos o primeiro choque que o levou a galgar os espinhosos degraus do intelecto: o entusiasmo juvenil pela fé judaica foi implodido pelo contato com a ciência. No lugar de Deus, a matemática. Induzido a caminhar descalços pela estrada de tijolos científicos pelo tio Caesar e pelo estudante universitário Max Talmey, Einstein mergulhou numa orgia de livre-pensar fanático acoplado à impressão de que a juventude estava sendo intencionalmente enganada pelo Estado por meio de mentiras. Avançando mais que o amigo na matemática, descobriu, novamente por influência de Talmey, a filosofia. Juntos, iniciaram o estudo da Crítica da Razão Pura, a densa obra do filósofo Imannuel Kant. Na época, Kant estava em voga entre os universitários e continha implicações bastante significativas para a ciência. Também incursionaram na filosofia de Arthur Schopenhauer, o sedutor pessimista que escreveu aforismos geniais e tolices, impiedosamente coerentes, do tipo: ao dar uma esmola ao mendigo não terás feito nada além do que prolongar seu sofrimento.

A mudança para Zurique em 1896, onde estudaria na Escola Politécnica Federal, assegurou-lhe um ambiente de efervescência intelectual. A Europa fervilhava no fim do século. Revoluções se seguiam; Sigmund Freud, de Viena, abalava a medicina com seus estudos sobre sonhos e histeria sexual; o caso Dreyfus martelava os brios dos franceses e pontuava um marco do jornalismo com o "J'acuse" de Émile Zola; o impressionismo dava as cartas nas artes plásticas de Paris e o jovem Pablo Picasso começava a tirar alguns ases da manga; Stéphane Mallarmé levava a cabo experiências com o silêncio e o aleatório; os raios-X e a radiatividade são descobertos; com morte decretada alguns anos antes, a ciência da física içava as velas sob um vento norte, envolta de complexidade e mistério.

A cidade suíça era "daquelas metafisicamente limpas, protegida pela estabilidade política e pela liberdade, pelo ar fresco, pela prosperidade e pela neutralidade histórica sacrossanta", nos conta o biógrafo de Einstein, subeditor de ciências do The New York Times. Anos depois, Zurique abrigaria vários artistas e intelectuais, como James Joyce, os dadaístas, Lênin. "Ao longo da margem oriental do Limmat, sobre as encostas mais baixas de Zürichberg, uma comunidade de proscritos, livres-pensadores e estudantes ocupava um labirinto de hospedarias e cafés". O estilo de vida dos cafés nunca mais foi o mesmo. Na sua primeira temporada, Einstein e seus amigos lapidaram essa nobre arte de ócio. Acordavam tarde, conseguiam um desjejum de folhados da senhoria, flanavam pela manhã pelo laboratório de física, cochilavam em algumas preleções e acampavam no Café Metrópole, à tarde, com um livro. Viciado em café e tabaco, Einstein tocava violino (Mozart, Handel, Schubert, Beethoven) à noite e depois vagava até em casa. Como é doce morrer no mar!

Esse período marcou-o tanto, que o suábio impudente, tempos depois quando morou em Praga, freqüentou o Café Louvre, reduto de artistas, pensadores e músicos. Lá, conheceu os escritores Franz Kafka e Max Brod; o escultor Frantisek; e o compositor Leos Janacek.

Sofrendo a solidão dos que se atrevem a olhar além da superficialidade da vida, Einstein sentiu-se completo quando passou a se reunir com freqüência com dois amigos - Maurice Solovine e Conrad Habicht. Liam livros dos maiores pensadores do momento que serviam de temas para discussões. Logo se auto-intitularam "Academia Olympia", parte fraternidade, parte grupo de excursionistas, parte sociedade de jantares e parte clube de debates. Comiam lingüiça bolonhesa, um pedaço de Gruyére, frutas, mel e uma ou duas xícaras de chá antes de iniciar a leitura. Mal passavam da primeira página, irrompiam nas discussões. A Academia abriu-lhe os portões de Hume, Mills, Spinoza, Helmholtz, Sófocles, Platão, Dostoievski, Dickens e mais uma penca de autores científicos. A academia durou alguns anos até o grupo se dispersar. Talvez deve-se à essa formação o texto do jovem físico ser tão bom, nas correspondências e teses.

Como todo intelectual que se julga fundamental, Einstein atribuía seus fracassos à inveja e perseguição de outros físicos. Preterido por várias universidades onde esperava lecionar, o jovem físico disse a um amigo que teria encontrado alguma posição há muito tempo se não fosse o jogo sujo de Heinrich Friedrich Weber, um professor da Politécnica com quem Albert se desencantou pelo método de ensino das velhas verdades e velhos métodos deixando de comparecer às aulas. Inteligente e libertário que era, preferia estudar em casa a fazer concessões; e fazia tudo a seu modo. Afundado nas pesquisas que julgava importantes dava as costas solenemente às instruções dos professores. Os amigos já o tomavam por louco - por algumas afirmações ainda sem provas - e o jeito independente incomodava os docentes, apesar de trazer a razão no colo como um bebê sadio. " 'O que você acha do Einstein?, perguntou Pernet (professor) ao seu próprio assistente, Schaufelberger. 'Ele sempre faz as coisas de um jeito diferente do que eu mando'. O assistente retrucou judiciosamente: 'De fato, ele faz, Herr Professor, mas suas soluções estão certas e os métodos que ele usa são sempre de grande interesse' ". Einstein agia como o soldado responsável por acionar o canhão, mas que acendia e apagava o pavio quando achava necessário, às favas a ordem do comandante.

A narração das tentativas de Einstein para forjar a teoria da relatividade (inicialmente chamada de princípio da relatividade) instiga pelo suor. As formulações frustradas, as explosões de genialidade, os pequenos fracassos, o desencontro das idéias, o retorno aos cálculos deixados de lado anos antes por aparentarem não ter solução, são estimulantes. Overbye reconstrói o suábio impudente com texto elegante. Evita o mito e rejeita a exploração fácil das falhas de Einstein como homem - o relacionamento com a primeira esposa, Mileva; a reação com o "desaparecimento" da primeira filha, Lieserl; as chantagens emocionais com os filhos após a separação; a cruel insinuação à segunda esposa, Elsa, quando se apaixonou pela enteada Ilse (queria a cozinha e a companhia social de Elsa e o sexo de Ilse).

"Einstein apaixonado" é a obra sedutora para se entender a trajetória do físico subversivo e do desenrolar da ciência no início do século XX.

Para ir além





Bruno Garschagen
Cachoeiro de Itapemirim, 16/7/2002

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